O psicanalista Otávio Wink Nunes participou do debate sobre o livro Amor por minuto na 58ª Feira do Livro de Porto Alegre, e o tema lhe inspirou a escrever o artigo abaixo que foi publicado no jornal eletrônico O Sul 21 no dia 06/11/12. Vejam:
O tempo do amor
Por Otávio Augusto Winck Nunes 1
Com idade beirando os 70 anos, mais de um metro e noventa,
peso que ultrapassava os três dígitos, e o sotaque característico do interior,
um conterrâneo de Gisele Bündchen, interroga se é possível o amor durar em
tempos de internet. Ele acostumado que está as formas mais tradicionais de
encontrar e conhecer a pessoa amada, seja no clube, na igreja, na escola, no
trabalho. Não se absteve de, inclusive, apresentar a receita que ele e sua
esposa encontraram para manter um relacionamento de 45 anos: a conversa diária.
Uma de suas preocupações é o “encurtamento” das distâncias possibilitado pela
internet; outro, a desconfiança que o estranho mundo virtual, e o encontro com
o outro estranho, o amado, possam ser enganosos. Preocupações, por certo,
pertinentes e que sempre ocorreram. Mas, que tem se potencializado, ao se
acentuar a determinação do tempo nas relações em detrimento de outros
referentes para medir a eficácia das relações.
Essa pergunta ocorreu num dos debates que compõem o amplo
painel que a 58º Feira do Livro promove, este ano, em Porto Alegre. A discussão
se deu em torno de um tema saboroso ao qual o livro “Amor por minuto” se
dedica, de Flávio Silveira (Libretos/2012 – em cuidadosa edição, como é costume
da editora), e precedeu à sessão de autógrafos do livro. Participavam do debate
o próprio autor, Flávio Silveira, Cinthya Verri (escritora e psiquiatra) e este
que lhes escreve.
O título da mesa que levou nosso pacato, mas disposto,
cidadão, e a tantos outros, a sala do Santander Cultural “Amor por minuto”
concentra é bem verdade, dois enigmas: como o tempo e o amor se misturam ou
como é que se misturam…
A pergunta sobre o amor em tempos de internet colocada
surpreendeu-me, não tanto pelo que enunciava, mas, sim, por quem a enunciava. O
surpreendente era o próprio sujeito ali, que me parecia preocupado, justamente,
pelo enigma que o amor promove, e que promoveu em sua própria vida. Ele, a meu
ver, estava querendo discutir sobre a viabilidade do amor ao longo dos anos e
se sua receita continha a chave do enigma. O veículo encontrado por ele e sua
esposa, o diálogo, tornou possível a continuidade de sua relação. Será
suficiente para outras?
Temos o hábito de, no terreno amoroso, apelar para uma
dimensão que excede ao espaço euclidiano, nossas referências básicas, as três
dimensões. Incluímos para medir o amor, o que seria uma quarta dimensão, o
tempo. E por ele nos guiamos, muitas vezes, para medir se uma relação deu
certo. Usamos a medida temporal, ilusoriamente, é verdade, para tentar dar
consistência à relação, mesmo que o critério cronológico seja limitado.
Para lembrar. Os gregos tinham dois deuses para se referirem
ao tempo. Cronos o deus do tempo linear, que se ocupava da passagem do tempo
rumo ao infinito, um minuto após o outro, sucessivamente. O outro é Kairos, o
deus do momento, do acontecido, de levar em conta a escolha no momento preciso.
O fruto que se retira daí é a experiência de um encontro, que pode, embora mais
difícil, ser mais saboroso. E não se trata só de romantismo ou de idealismo.
Se, ao medirmos o sucesso da relação amorosa pelo tempo, não
estaríamos nos orientando apenas por cronos, privilegiando a passagem do tempo,
em direção ao infinito como balizador ilusório do sucesso da relação? E de
alguma maneira, olhando com a lente da nostalgia, para o passado da relação
para nela encontrar elementos que confirmam que os tempos eram outros, que as
relações amorosas aconteciam num ritmo mais condizente com o tempo humano? Ou
seja, a nostalgia, embora alentadora para a preservação, não é uma boa lente.
Ela borra os contornos, as fronteiras do acontecido, retira o foco da imagem,
acentua muito mais aquilo que gostaríamos de ver, o que gostaríamos de ter
vivido, o que gostaríamos que tivesse acontecido. E, tem como contra-partida, o
recorte da perda, daquilo que não é mais como deveria ser.
Se nos orientarmos por kairos, talvez – a falta de garantias
é notória – tenhamos mais chance na solução do enigma do amor e no âmbito que
pode se misturar com o tempo. Privilegiar-se-ia de outra forma o momento,
contando que a cada elemento novo, a cada fato novo (ganhos, perdas, traições,
ciúmes, e tudo mais o que acontece numa relação), seja possível relançar a
aposta de um encontro. Ou seja, se relança a aposta da experiência.
É certo que a internet acrescentou um elemento que não
contávamos muito para acelerar encontros e desencontros. Mas o que é necessário
notar, é que como humanos sempre estivemos as voltas com a superação dos nossos
parcos limites. Por exemplo, o avião (carro, bicicleta, etc.) rompeu a dimensão
de tempo que tínhamos em relação à distância. O avião deu asas aos pés para
chegarmos mais rápido ao nosso destino, antes mesmo do resto do corpo chegar. A
internet é assim, acelerou nossos passos, chegamos ao outro lado do mundo, e
nem precisamos ir.
Mas, a dimensão da relação amorosa, só se efetiva se ao
encontro marcado, comparecermos munidos, não de relógios, mas de
disponibilidade de reconhecer o que mais de humano temos, que é a capacidade de
falarmos. Então, se pudermos dar a devida consequência ao tempo que dispensamos
ao outro, como o diálogo que nosso personagem e sua esposa dispensam entre
eles, talvez a chance de resolver o enigma do tempo e do amor seja possível. É
uma aposta, mas é melhor aproveitar a oportunidade, como diria Kairos.
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