quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Amor por minuto serve de inspiração para Otávio Wink Nunes


       O psicanalista Otávio Wink Nunes participou do debate sobre o livro Amor por minuto na 58ª Feira do Livro de Porto Alegre, e o tema lhe inspirou a escrever o artigo abaixo que foi publicado no jornal eletrônico O Sul 21 no dia 06/11/12. Vejam:

O tempo do amor

Por Otávio Augusto Winck Nunes 1

     Com idade beirando os 70 anos, mais de um metro e noventa, peso que ultrapassava os três dígitos, e o sotaque característico do interior, um conterrâneo de Gisele Bündchen, interroga se é possível o amor durar em tempos de internet. Ele acostumado que está as formas mais tradicionais de encontrar e conhecer a pessoa amada, seja no clube, na igreja, na escola, no trabalho. Não se absteve de, inclusive, apresentar a receita que ele e sua esposa encontraram para manter um relacionamento de 45 anos: a conversa diária. Uma de suas preocupações é o “encurtamento” das distâncias possibilitado pela internet; outro, a desconfiança que o estranho mundo virtual, e o encontro com o outro estranho, o amado, possam ser enganosos. Preocupações, por certo, pertinentes e que sempre ocorreram. Mas, que tem se potencializado, ao se acentuar a determinação do tempo nas relações em detrimento de outros referentes para medir a eficácia das relações.

     Essa pergunta ocorreu num dos debates que compõem o amplo painel que a 58º Feira do Livro promove, este ano, em Porto Alegre. A discussão se deu em torno de um tema saboroso ao qual o livro “Amor por minuto” se dedica, de Flávio Silveira (Libretos/2012 – em cuidadosa edição, como é costume da editora), e precedeu à sessão de autógrafos do livro. Participavam do debate o próprio autor, Flávio Silveira, Cinthya Verri (escritora e psiquiatra) e este que lhes escreve.

     O título da mesa que levou nosso pacato, mas disposto, cidadão, e a tantos outros, a sala do Santander Cultural “Amor por minuto” concentra é bem verdade, dois enigmas: como o tempo e o amor se misturam ou como é que se misturam…

     A pergunta sobre o amor em tempos de internet colocada surpreendeu-me, não tanto pelo que enunciava, mas, sim, por quem a enunciava. O surpreendente era o próprio sujeito ali, que me parecia preocupado, justamente, pelo enigma que o amor promove, e que promoveu em sua própria vida. Ele, a meu ver, estava querendo discutir sobre a viabilidade do amor ao longo dos anos e se sua receita continha a chave do enigma. O veículo encontrado por ele e sua esposa, o diálogo, tornou possível a continuidade de sua relação. Será suficiente para outras?

    Temos o hábito de, no terreno amoroso, apelar para uma dimensão que excede ao espaço euclidiano, nossas referências básicas, as três dimensões. Incluímos para medir o amor, o que seria uma quarta dimensão, o tempo. E por ele nos guiamos, muitas vezes, para medir se uma relação deu certo. Usamos a medida temporal, ilusoriamente, é verdade, para tentar dar consistência à relação, mesmo que o critério cronológico seja limitado.

     Para lembrar. Os gregos tinham dois deuses para se referirem ao tempo. Cronos o deus do tempo linear, que se ocupava da passagem do tempo rumo ao infinito, um minuto após o outro, sucessivamente. O outro é Kairos, o deus do momento, do acontecido, de levar em conta a escolha no momento preciso. O fruto que se retira daí é a experiência de um encontro, que pode, embora mais difícil, ser mais saboroso. E não se trata só de romantismo ou de idealismo.

     Se, ao medirmos o sucesso da relação amorosa pelo tempo, não estaríamos nos orientando apenas por cronos, privilegiando a passagem do tempo, em direção ao infinito como balizador ilusório do sucesso da relação? E de alguma maneira, olhando com a lente da nostalgia, para o passado da relação para nela encontrar elementos que confirmam que os tempos eram outros, que as relações amorosas aconteciam num ritmo mais condizente com o tempo humano? Ou seja, a nostalgia, embora alentadora para a preservação, não é uma boa lente. Ela borra os contornos, as fronteiras do acontecido, retira o foco da imagem, acentua muito mais aquilo que gostaríamos de ver, o que gostaríamos de ter vivido, o que gostaríamos que tivesse acontecido. E, tem como contra-partida, o recorte da perda, daquilo que não é mais como deveria ser.

     Se nos orientarmos por kairos, talvez – a falta de garantias é notória – tenhamos mais chance na solução do enigma do amor e no âmbito que pode se misturar com o tempo. Privilegiar-se-ia de outra forma o momento, contando que a cada elemento novo, a cada fato novo (ganhos, perdas, traições, ciúmes, e tudo mais o que acontece numa relação), seja possível relançar a aposta de um encontro. Ou seja, se relança a aposta da experiência.

     É certo que a internet acrescentou um elemento que não contávamos muito para acelerar encontros e desencontros. Mas o que é necessário notar, é que como humanos sempre estivemos as voltas com a superação dos nossos parcos limites. Por exemplo, o avião (carro, bicicleta, etc.) rompeu a dimensão de tempo que tínhamos em relação à distância. O avião deu asas aos pés para chegarmos mais rápido ao nosso destino, antes mesmo do resto do corpo chegar. A internet é assim, acelerou nossos passos, chegamos ao outro lado do mundo, e nem precisamos ir.

     Mas, a dimensão da relação amorosa, só se efetiva se ao encontro marcado, comparecermos munidos, não de relógios, mas de disponibilidade de reconhecer o que mais de humano temos, que é a capacidade de falarmos. Então, se pudermos dar a devida consequência ao tempo que dispensamos ao outro, como o diálogo que nosso personagem e sua esposa dispensam entre eles, talvez a chance de resolver o enigma do tempo e do amor seja possível. É uma aposta, mas é melhor aproveitar a oportunidade, como diria Kairos.

1 Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA); mestre em Psicologia do Desenvolvimento/UFRGS; mestre em Psicanálise e Psicopatologia, Universidade Paris 7.

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