sexta-feira, 23 de maio de 2014

Coligay na UOL

Livro conta como torcida gay do Grêmio ajudou o Corinthians a sair da fila
 Vanessa Ruiz  - Do UOL, em São Paulo - 22/05/2014



   Ainda há muitas histórias para serem contadas no futebol. Mais uma prova disso é o recente lançamento do livro "Coligay, tricolor e de todas as cores", escrito pelo jornalista gaúcho (e gremista) Léo Gerchmann. Antes do livro de Gerchmann, era praticamente impossível encontrar registros organizados daquela que é considerada a primeira torcida gay do Brasil, seja em livros e jornais ou na internet.

   No livro, Gerchmann entremeia histórias sobre a trajetória da Coligay com capítulos sobre o time e as conquistas do Grêmio à época. A Coligay foi fundada em plena ditadura, em 1977, por iniciativa de Volmar Santos, que era gerente de uma famosa boate gay em Porto Alegre, a Coliseu. A torcida terminou seis anos depois, quando Volmar  voltou para sua cidade natal, Passo Fundo. 

   Há muitos que dizem que o Grêmio de 1977, de Telê Santanta, foi o melhor que já viram jogar. E foi nesse cenário que torcedores apaixonados decidiram expressar seu amor pelo time assumindo a homoafetividade ao mesmo tempo, ganhando fama de pé-quente. A fama foi tão grande que atravessou as fronteiras do Rio Grande do Sul. A Coligay foi convidada pelo presidente do Corinthians na época, o lendário Vicente Matheus, para assistir no Morumbi à final do Campeonato Paulista de 1977. E o convite deu certo: com um gol de Basílio o time venceu o campeonato e encerrou um jejum de 23 anos sem títulos.

   "Pagaram a nossa passagem e tudo mais. Fomos muito bem recebidos pelo próprio Vicente Matheus. Éramos umas 20 bichas subindo as escadarias do avião. Aquilo foi um escândalo", lembra Volmar.

   Mas o começo da torcida gay gremista não foi fácil: "No primeiro jogo em que fomos ao Olímpico, a surpresa e o desespero dos torcedores foi geral, tanto que queriam brigar e surrar os componentes da torcida por não aceitarem aqueles gays cantando, rebolando", disse Volmar Santos em trecho publicado por Gerchmann no livro. No entanto, o tempo e a dedicação ao Grêmio desta nova turma de torcedores organizados foram tornando comum aquilo que antes parecia anormal, e a Coligay conquistou seu espaço nas arquibancadas do Olímpico, assim como a simpatia dos que amavam o Grêmio tanto quanto eles.

    Numa era em que o movimento anti-homofobia no futebol começa a ganhar força, registrar a história da Coligay, primeira torcida LGBT do Brasil, é uma considerável contribuição de Léo Gerchmann ao futebol. 
O livro, lançado pela editora Libretos, tem 192 páginas e preço sugerido de R$ 35,00.

15 histórias da Coligay, a primeira torcida gay do Brasil

1
Vestido longo nas cores do Grêmio 
Caftã é caftã e vestido é vestido, mas a modelagem da roupa deve ter feito muita gente chamar de "vestido" o uniforme da Coligay, pois eram os tais caftãs que eles usavam para ir aos estádios atrás do Grêmio. A túnica era mesmo uma vestimenta masculina, originalmente. Mas, no Ocidente, foi incorporada quase que exclusivamente ao guarda-roupa feminino. Charme, ali, também era questão de honra.

2
Hino do Grêmio versão Coligay 
"Nós somos da Coligay; com o Grêmio eu sempre estarei. É bola pra frente, campeão novamente. É Grêmio, força e tradição. Sou tricolor pra valer, pra vibrar e vencer, para o que der e vier. Nós, Coligay de pé-quente, estaremos presentes onde o Grêmio estiver", era como uma versão gay do hino do Grêmio, composta pelo jornalista Hamilton Chaves, parceiro de Lupicínio Rodrigues em muitas letras.

3
Boate Coliseu recebia jogadores também 
No livro, Volmar conta que havia, sim, jogadores profissionais que frequentavam a Coliseu, boate onde nasceu a Coligay. "Que se saiba, todos eles eram heterossexuais", diz, mas pode ser que alguns fossem gays e não se soubesse. Além disso, iam também muitos jogadores da base, "que tinham performance mais intensa e presença mais assídua e interessada". Alguns deles, aí sim, gays assumidos.

4
Meio de transporte próprio 
Segundo os cálculos do fundador, a Coligay chegou a ter 200 membros, embora ele assuma que seja difícil chegar a um número preciso porque os registros não sobreviveram ao tempo. E com tanta gente, houve um momento em que foi preciso organizar o transporte para os jogos: Volmar comandou a compra de um micro-ônibus para transportar seus "felinos torcedores", como registrado pelo jornal Zero Hora.

5
Madrugavam no estádio, direto da boate 
A Coligay era não só assídua nos jogos do Grêmio, como ainda era a torcida que chegava mais cedo. E cedo mesmo: "Começavam a caminhar para o jogo às 6h, muitas vezes sem nem sequer dormir depois da noitada na boate", conta Gerchmann. Andavam pela cidade carregando os apetrechos usados para fazer barulho no estádio, mas só os leves, porque os instrumentos pesados ficavam em uma salinha no Olímpico.

6
Festinha para os jogadores 
Os torcedores costumavam esperar os jogadores do Grêmio no estacionamento e cantavam para todos eles, o que acabou se tornando uma tradição nos anos de Coligay. Aliás, a animação foi um dos grandes legados: "Vibravam o tempo todo, tinham umas fantasias, tudo muito bonito. Para o Grêmio, eles foram espetaculares", reconheceu o presidente do time à época, Hélio Dourado, em entrevista a Gerchmann.

7
Gay também sai no braço 
Também no Zero Hora ficou registrada uma briga com torcedores que partiram para cima da Coligay no Olímpico: "Levaram uma lição e uma surra que jamais sairão de sua memória. Um dos 'coliboys', sozinho, demoliu com cinco atacantes. Naquele exato momento, a Coligay provou que não era só boa de torcida como também de pau", foi o que escreveu o jornalista Paulo Sant'Ana em 2 de outubro de 1977.

8
Tão pé-quente que nem Vicente Matheus resistiu 
Fazia 23 anos que o Corinthians não conquistava título nenhum enquanto o Grêmio ia vivendo grande fase naquele ano de 1977. O que fez o lendário presidente Vicente Matheus? Claro! Ligou para Volmar e convidou a pé-quente Coligay para torcer pelo alvinegro paulista in loco, com passagens pagas. E foi assim que o Corinthians (e Basílio) saíram da fila com a ajuda da primeira torcida gay do Brasil.

9
Zoeira com o general em tempos de ditadura 
Nem o general JoãoBaptista Figueiredo, presidente que assumiu o comando da ditadura brasileira em 1979, passou ileso pela Coligay. Numa visita ao Olímpico, um membro da torcida fez que fez até que conseguiu se aproximar, e imitou o personagem de Chico Anysio, Salomé, para Figueiredo: "João Baptiiista", disse, com um telefone na mão, vestido todo de rosa. Figueiredo só riu amarelo, lembra Volmar.

10
São bichas, mas são nossas 
A aceitação da Coligay chegou ao ponto de receber ajuda financeira de conselheiros e também do ex-presidente do Grêmio, Hélio Dourado."São bichas, mas são nossas" foi a frase que passou a se ouvir no Olímpico. A torcida Força Azul teve até dissidentes escapando para a Coligay. Só com a torcida oficial Eurico Lara é que a coisa não fluía muito bem, mas nada impeditivo para os torcedores gays.

11
Coligay na campanha do cimento 
Contam os antigos membros que há um motivo pelo qual a Coligay passou a ser bem aceita após o estranhamento inicial: seu comprometimento com o clube, que é tudo o que se espera de um torcedor, no fim. E a Coligay participou ativamente da "campanha do cimento", que ajudou o Grêmio a completar o anel superior do Olímpico. Eles viajaram, deram festas e fizeram o possível para ajudar na arrecadação.

12
Telê Santana: Coligay, OK; Coliseu, nada feito 
"Eles têm direito de assistir ao jogo como qualquer outra pessoa. Acho que qualquer iniciativa para incentivar o Grêmio deve ser bem aceita", disse uma vez Telê Santana, então técnico do Grêmio, sobre a Coligay. Ele costumava ir até a Coliseu para pegar jogadores no pulo, o que nunca aconteceu. É que Volmar tinha de proteger seus clientes, e escondia-os em seu escritório até que Telê fosse embora.

13
Renato Gaúcho, muso e ídolo 
O carinho por Renato Gaúcho era tanto que, até hoje, Volmar o chama de Renatinho. O fundador da torcida conta no livro que Gaúcho era muito atencioso com os rapazes da Coligay. E se Renato Gaúcho era considerado um sex symbol pelo Brasil afora, por que não seria visto assim pela torcida gay do time que o consagrou? Além de, é claro, ser considerado um dos maiores jogadores da história gremista.

14
Colorados na Coligay? 
E não é que teve colorado (gay) tentando se unir à Coligay? Como isso não foi possível por motivos óbvios, já que o objetivo final da torcida era não só promover a aceitação, mas torcer pelo time de coração, houve uma tentativa de formar a torcida gay do adversário. A Interflowers, no entanto, não durou muito tempo e mal chegou a ficar registrada na história das organizadas do Internacional.

15
Homenagem ao juiz 

A Coligay era conhecida pela animação e pelos gritos e musiquinhas muito criativas, para os jogadores do Grêmio, do adversário e, é claro, para os árbitros. E a homenagem (xingamento, na verdade) aos homens de preto era cantada assim: "É hora do lanche, que hora tão feliz, queremos a bunda do juiz". E, sim, a Coligay também xingava o juízes e bandeirinhas de "bichas".

Link com a matéria original: http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2014/05/22/torcida-gay-do-gremio-ajudou-o-corinthians-em-77-veja-historias-da-coligay.htm

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