Texto de Rafael Guimaraens sobre o seu mais recente livro, O sargento, o marechal e o faquier que foi publicado na Caros Amigos.
Ditadura: O Sargento, o Marechal e o Faquir
Por Rafael Guimaraens
Conhecia há muito tempo o “Caso das Mãos Amarradas”, uma
história emblemática ocorrida em 1966, nos primórdios da ditadura militar. Foi
muito divulgado à época, primeiramente porque ainda não havia a censura férrea
à imprensa, que seria instaurada dois anos depois pelo Ato Institucional nº 5.
Segundo, porque nos primeiros dias não se sabia que o corpo encontrado às
margens da Ilha das Flores, em Porto Alegre, se tratava de um perseguido
político.
Há cerca de dez anos, meu interesse pelo caso ganhou outra
dimensão à medida que fui conhecendo o perfil e a trajetória do sargento Manoel
Raymundo Soares. Nascido em Belém do Pará, de uma família muito pobre, mudou-se
para o Rio de Janeiro com a intenção de servir ao Exército. Com 20 anos, já
alcançava o posto de sargento.
Autodidata, leitor compulsivo, amante da música clássica,
destacava-se pela inteligência, a humildade e a bravura, embora tivesse pouco
mais de um metro e meio de altura. Integrava a vanguarda do movimento dos
sargentos de intensa atuação entre a Campanha da Legalidade que garantiu a
posse de João Goulart na Presidência da República, em 1961, e o golpe militar
que derrubou do poder, em 1964.
Neste período, o Brasil viveu tempos de altíssima voltagem
no campo político, no qual tudo estava em disputa. Os sargentos do Exército
Nacional entraram no jogo para valer. Questionavam a hierarquia militar,
defendiam seu direito à representação no Parlamento e, na medida em que a
conjuntura se radicalizava, assumiam posições cada vez mais atrevidas pelas
reformas de base, formando uma frente de lutas com a União Nacional dos
Estudantes, o Comando Geral dos Trabalhadores e as Ligas Camponeses.
Soares, como os demais líderes do movimento, foi expulso do
Exército logo após o golpe militar. Seria preso em Porto Alegre, quando seu
grupo, autodenominado Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), tentava
organizar um levante dos quartéis, a partir de entendimentos com o
ex-governador gaúcho Leonel Brizola, que se encontrava no Uruguai.
Brutalmente torturado e mantido preso ilegalmente por cinco
meses, seu corpo seria encontrado com sinais de tortura e as mãos atadas às
costas.
O Sargento, o Marechal e o Faquir conta a trágica
história desse personagem peculiar. Na primeira parte, o livro traça um perfil
de Manoel Raymundo Soares e do movimento dos sargentos. Sua trajetória é
recontada na relação com dois outros personagens que, no livro, são
coadjuvantes. Um deles, ilustre, é Castelo Branco, primeiro ditador do regime
militar, que inicialmente pretendia que a presença dos militares no poder fosse
breve – tratava-se de “livrar o Brasil do comunismo” e reestabelecer uma
democracia formal, burguesa, de direita, sem riscos de um novo governo de
esquerda ou populista –, mas acabou adotando uma sucessão de medidas
autoritárias. O outro é Edu Rodrigues, um pintor de cenários e informante do
Serviço Nacional de Informações (SNI), que armou a emboscada para a prisão de Soares.
Anteriormente, ele fora o “Príncipe Aladim”, um faquir fracassado.
A segunda parte trata das investigações policiais para
identificar os culpados e toda a comoção popular em torno da misteriosa morte
do sargento. A história é narrada em linguagem de romance político-policial, na
qual os fatos e provas vão surgindo e apontando para a responsabilidade dos
órgãos de segurança no assassinato. Foi o primeiro caso de repressão da
ditadura com ampla cobertura da imprensa. Em 2005, sua viúva conseguiu, após mais
de 30 anos de batalha judicial, responsabilizar a União pelo crime, conforme
decisão do Tribunal Federal de Recursos da 4ª região de Porto Alegre.
Link para a matéria no site da Caros Amigos: http://carosamigos.com.br/index.php/cultura/7689-ditadura-o-sargento-o-marechal-e-o-faquir
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