Eduardo Guimaraens, 1923 em 2018
Boa tarde a todas todos!
Sou Maria Etelvina, neta de Eduardo Guimaraens.
Em primeiro lugar, quero agradecer à Biblioteca Pública do
Estado por nos receber nesta tarde tão especial para nós, netas, netos,
bisnetas e bisnetos de Eduardo. E agradeço na pessoa de sua diretora, Morgana
Marcon, que tão prontamente fez o convite para que o lançamento de Poemas se
desse aqui. Muito obrigada, Morgana. Como já te disse pessoalmente e repito
aqui em público, para nós é muito importante que o lançamento do livro seja nesta
que foi a casa de Eduardo. Nela ele trabalhou, foi vice-diretor e diretor até
seu falecimento em 1928. Nela está afixado seu medalhão, na parede da sala ao
lado. Nela, nossa avó Etelvina trabalhou como secretária também até sua morte
em 1956. Nela foi lançado Dispersos em 2002.
Nela nós estudamos, pesquisamos. Nela as crianças, os
jovens, os adultos e os idosos encontram sua fantasia.
Quero agradecer, também, a Câmara Riograndense do Livro que incluiu
este evento na programação da feira do livro e homenagear a sua patrona da
feira, Maria Carpi.
Quero agradecer minhas irmãs, primas e primos que confiaram
em mim e concordaram que eu tomasse frente na organização desta publicação. Ao
Rafael por ter aceitado ser editor deste livro, à Clô Barcellos, responsável
pela proposta gráfica de Poemas. Obrigada pelo carinho e capricho com que
trabalhaste na edição deste livro.
Muito obrigada e espero que não estejam arrependidos.
Para este lançamento, fizemos questão da presença dele,
Eduardo, aqui retratado por Lucílio de Albuquerque em 1916. Também convidamos
Etelvina, que está presente em seu retrato, também de Lucílio, na vitrine que
organizamos, acompanhada de seu binóculo.
Não sou poeta, não sou jornalista, não sou escritora. Minha
área de estudo e produção sempre foi o direito, em especial o direito urbanístico.
Nosso bisavô Gaspar era jornalista e integrava o Parthenon Literário. Nosso avô
Eduardo era poeta, jornalista, tradutor, cronista e contista, dramaturgo. Meu
padrinho Carlos Rafael era jornalista, editorialista do Correio do Povo,
cronista e teve um livro publicado após a sua morte (Um morcego em Paris,
2007). Meus primos Eduardo e Rafael são jornalistas e Rafael é, principalmente,
escritor; minha irmã Beatriz estudou jornalismo. Minha irmã Virgínia teve sua
primeira poesia publicada aos oito anos no Correio do Povo e minha prima Ana
Lúcia publicou seu livro de contos, As Gárgulas (Libretos), em 2010.
Mas não sendo poeta ou escritora, coube a mim tocar esta
publicação. Meu nome consta como organizadora, mas organizadora de um livro que
estava praticamente pronto desde 1923? Ok. Mas por que agora?
Bem, há muito tempo me envolvo com os originais de nosso
avô.
Nosso avô poeta morreu jovem. Ele tinha 36 anos, em 1928,
quando faleceu. Seus filhos Dante Gabriel e Carlos Rafael tinham 4 e 2 anos.
Não conheceram pessoalmente o pai. Mas o conheceram pelas lembranças de sua
mãe, nossa avó, pela sua poesia que o imortalizou como patrono da cadeira 38 da
Academia Riograndense de Letras. Sua presença nos chegou, aos netos e netas,
por meio de seus objetos, guardados como relíquias pela nossa avó e pela tia
bisavó Olintha Braga (Dinha) na casa da Duque. Seu pince-nez, furador de papel
e castão de bengala estão expostos na nossa vitrine. Sua presença era constante
nos quadros e fotografias, na sua poesia que pairava em nossa volta.
Nosso avô
jovem era uma presença-ausente constante em nossa vida. Éramos crianças e
brincávamos com seus objetos.
O acervo que deixou foi inicialmente guardado pela vó
Etelvina. Após a sua morte em 1956, a guarda ficou com a Dinha e, em 1967,
quando faleceu o acervo foi dividido entre os dois filhos. Graças a eles Dante
e Carlos, e suas esposas Nair e Vera, o acervo nos chegou. Documentos do
princípio do século passado!
Em 1969, Eduardo foi patrono da feira do livro. Meu pai,
Dante, tinha falecido há dias e a abertura da feira foi numa tarde chuvosa.
Quando adolescente, estudante do Rosário, muitas vezes eu ia
sozinha visitar Eduardo na praça Dom Feliciano, onde estava o seu busto. Ficava
lá olhando, conversando com ele. `As vezes o apresentava a amigos. Segundo
minha mãe, meu tio Carlos serviu de modelo para o desenho da cabeça. Hoje o
busto não está mais lá, pois foi roubado e nunca mais encontrado.
Mais tarde, já adulta, uma noite em vigília na casa de minha
mãe, comecei a abrir armários e caixas. De repente me deparei com pastas de
couro, muito antigas. Minha curiosidade me fez abri-las. Surpresa e emoção.
Cartas, poesias, manuscritos de toda a ordem. A letra de meu avô. Originais
datilografados (acho que por minha avó). Como se ao abrir aquelas pastas
novamente encontrasse com Eduardo. A letra dele mostrava um pouco da sua face.
Era uma letra linda, clara. Suas poesias eram escritas em duas cores: vermelho
e preto. E muitas vezes acompanhadas por desenhos. Uma das pastas está exposta na vitrine.
Passaram-se alguns anos, fui procurada pela Professora Maria
Luiza Berwanger da Silva, apaixonada pela obra de Eduardo e dedicada ao seu
estudo e divulgação. Na ocasião emprestei à ela parte do material. Não lembro
exatamente quando, a Biblioteca homenageou seus primeiros diretores e Maria
Luiza, em sua palestra linda, Eduardo Guimaraens. O material foi exposto em
fac-símile e devolvido organizado como só ela poderia fazer.
Mais tarde, em 2002, resultado da iniciativa de meu primo
Rafael e do projeto aprovado no Funproarte, foi publicado o livro Dispersos. Para
este livro Maria Luiza reuniu, organizou e apresentou os poemas, estabelecendo
o fio condutor que transformaram a coletânea em um conjunto harmônico. Temos consciência de que seu trabalho foi
imprescindível para o êxito da publicação, que se esgotou rapidamente. Um livro
de poesias esgotado é quase um milagre!
Desde então ideia de organizar, catalogar e divulgar a obra
inédita paira em nossas mentes. Sempre foi um projeto para minha aposentadoria!
Para tentar organizar o acervo, iniciei separando a prosa do verso. Me
emocionei lendo sua poesia, e me deliciei lendo suas crônicas. Fui, então,
apresentada a um novo Eduardo, o jornalista. Suas matérias traziam para Porto
Alegre as notícias do mundo. Comentava o que acontecia na França, na Alemanha,
na Rússia, na Inglaterra...Era responsável pela crônica de cultura e arte. Aos
poucos fui preenchendo a sua ausência e me envolvendo com sua personalidade
multifacetada.
Em 2016, viajando para visitar meu filho Francisco que
morava na Irlanda, ficamos alguns dias em Lisboa.
Tomamos conhecimento da Casa Fernando Pessoa e fomos
visitar. Na entrada, o grande mural da exposição Nós os de Orpheu mostrava os
colaboradores da revista. Passei reto pelo mural. Queria absorver a exposição e
suas surpresas uma a uma.
Seguindo o caminho orientado para o circuito da exposição,
pegamos o elevador e subimos ao terceiro andar. Lá encontramos Pessoa em sua
Lisboa, as imagens que nos levavam a penetrar no mundo da Orpheu. Descendo,
então, pelas escadas, no entre piso, lá estava ele, Eduardo Guimaraens O
Brasileiro Esquecido. Suas fotografias, sua poesia, alguns dados sobre sua vida
(a data de nascimento estava errada, constou como 1882 em vez de 1892). A revista Fon-Fon! e seus colaboradores também
estavam lá. Aliás, vale muito a pena entrar na página da Biblioteca Nacional e
pesquisar a revista. Vocês vão encontrar maravilhas. Dia destes Rafael, Clô e
eu viajamos no tempo visitando as suas páginas digitalizadas.
Retomando... Surpresa, emoção, arrepio, as pernas
afrouxaram. Sabia da importância da poesia de meu avô na literatura brasileira.
Poeta simbolista sempre referido. Sabia de sua participação nas diversas
revistas literárias da época. Mas nunca imaginei encontrá-lo na Casa Fernando
Pessoa. Nosso avô Eduardo, poeta que morreu jovem e sempre presente em nossa
vida, me surgia em um momento inesperado. Além-mar, tanto mar.
E a história foi surgindo nas paredes da Casa Fernando
Pessoa. Em 1913 Luís de Montalvor, que integrava a Orpheu, vem ao Brasil e, no
Rio de Janeiro, profere a palestra “O Gênio da Raça Brasileira”. Conhece a
revista Fon-Fon! e convive com seus colaboradores, dentre os quais Eduardo que
então morava no Rio.
Em 1915 Luís de Montalvor solicita a Ronald de Carvalho que
lhe envie poesias de poetas brasileiros. Este lhe responde: “Escreverei ao
Eduardo para satisfazer o que me pedes. Mandarei versos do Álvaro, do Homero,
do Ernani, a prosa de Alcides Maia e, talvez, do Graça Aranha.”
Esta correspondência deu origem à publicação de três poemas
de Eduardo na Orpheu 2: Sobre o Cysne de Stéphane Mallarmé, Folhas Mortas e Sob
os teus olhos sem lágrimas.
Dois brasileiros publicaram na Orpheu: Ronald de Carvalho e
Eduardo Guimaraens. Um gaúcho.
Eduardo Guimaraens O Brasileiro Esquecido. Sentimento duplo.
Emoção e irresignação. Ele não pode ficar esquecido. E se depender de mim, de
minhas irmãs Beatriz e Virgínia, primas (Sílvia e Ana) e primos (Eduardo,
Rafael e Gabriel, infelizmente já falecido) ele não vai permanecer esquecido.
Retornei ao Brasil e a ideia de retomar a divulgação e a
publicação de sua obra não me saiu da cabeça. Em 1978, o Instituto Estadual publicou
a terceira edição da Divina Quimera. A primeira, publicada em 1916, foi
orientada pelo próprio Eduardo. A segunda foi organizada por Mansueto Bernardi
em 1944. A prova gráfica da primeira edição está na nossa vitrine. Aliás, esta
prova Eduardo encadernou e dedicou à Etelvina. Somente a segunda e a terceira
edições são encontradas nas livrarias. Retomar, também, porque em 2002
publicamos Dispersos.
Em face de sua participação na revista Orpheu, Eduardo
integra hoje a exposição Fernando Pessoa a minha arte é ser eu. Nela
encontramos o retrato pintado por Helios Seelinger em 1915 (o qual fora reproduzido
na exposição portuguesa), e, na sua vitrine: a segunda edição da Divina Quimera,
um exemplar da tradução de Canto Quinto (publicada em 1920, primeira tradução
brasileira da Divina Comédia), Dispersos e Poemas. Aliás, o exemplar de Canto
Quinto foi generosamente doado ao acervo pelo fotógrafo Luis Carlos Felizardo,
herdado de seu pai Alfredo Carlos Felizardo, que o recebeu de presente das mãos
do próprio Eduardo. Também na vitrine constam duas páginas manuscritas e uma
página original datilografada de Núpcias de Antígona, poema trágico adaptado
que Eduardo fez da obra de Sófocles.
Agora estamos lançando Poemas, livro de poesias escritas em
francês por Eduardo em 1923, traduzidas por Alcy Cheuiche e Lívia Petry Jahn.
Sim. Eduardo compunha poesias em francês, sentia em francês.
Me chamou a atenção uma carta de Pessoa respondendo a Montalvor, na qual opina sobre a publicação de seus
poemas, onde afirma:
Li tudo com a maior attenção, e o conselho que posso dar-lhe
é extremamente fácil de expor: publicar todos os versos que estão em português,
não publicar nenhum dos versos que estão em francês.
Os poemas em português formam um pequeno volume
interessante. Os poemas em francês não formam (a meu ver) coisa nenhuma. Nunca
se deve escrever –entendendo-se por escrever o escrever literariamente – em uma
língua que não se possua de dentro, isto é, com os pensamentos formados
organicamente nella.
Esta carta está na Exposição e no seu catálogo, na página
85.
Pessoa escrevia – literariamente - em português e em inglês.
Eduardo escrevia em português e em francês. Estes poemas, escritos em francês,
não foram lidos por Pessoa. Eu gostaria de saber a sua opinião sobre eles!
Faço aqui uma referência absolutamente necessária: o artigo O
mesmo como outro e o Outro como o Mesmo: as poesias em francês de Eduardo
Guimaraens, de autoria de Maria Luiza Berwanger da Silva na obra Transcriações,
Teoria e Prática, organizada por Tania Franco Carvalhal, Lucia Rebello,
Eliana Ferreira. Infelizmente não tivemos condições de acrescentar
este precioso documento na publicação.
Sobre o livro Poemas, ainda algumas observações. Nosso
propósito era interferir o mínimo possível no projeto de 1923. Assim, só
acrescentamos o que consideramos absolutamente essencial. Para viabilizar a
publicação, alteramos o tamanho resguardando as proporções. Mantivemos suas
cores e desenho (ou design). Na capa inserimos o selo da Libretos e na
contracapa o indispensável código de barras. Incluímos a folha de rosto, a
catalogação atual. Inserimos a minha apresentação, os agradecimentos, as
traduções, e o texto de Lívia nos mostrando o poeta. Acrescentamos, também, na página 84, a
reprodução do ex-libris (que só constava originalmente no selo da capa), do
medalhão e a data em números romanos, em composição tão criativa de Eduardo na
contracapa. Os originais de Poemas estão
na nossa vitrine.
Sobre o desenho do ex-libris, preciso esclarecer algumas
coisas. Temos conhecimento de que Eduardo usou dois desenhos: o que acabei
chamando de desenho clássico, criado em 1916 para a primeira edição da Divina
Quimera e o que consta nos originais de Poemas, que aqui chamo de modernista.
Em função do desenho que encontramos, que está aqui na vitrine, sempre
consideramos que tivesse sido criado por Eduardo.
Porém há pouquíssimos dias, uma semana, encontrei uma carta
de Eduardo, do Rio de Janeiro, de 08 de outubro de 1916, na qual ele afirma, sobre
a Divina Quimera, “os desenhos de capa e do ex-libris serão feitos pelo Correa
Dias”. Então, corrijo aqui minha afirmação que consta na página 4 em relação ao
desenho de 1916.
Quero, ainda, homenagear nossa tradutora Lívia e nosso
tradutor Alcy, que, aceitaram o desafio de traduzir estes poemas. Imagino a
dificuldade em traduzir uma poesia, manter seu conteúdo e musicalidade. E em
que prazo! Muito obrigada. Sem vocês este livro não estaria aqui.
E anuncio que estamos digitalizando e vamos catalogar todo o
acervo. E que pretendemos, aos poucos, publicar a obra inédita. Quem sabe um
início da Fundação Eduardo Guimaraens que meu primo Gabriel sonhava.
Encerro me socorrendo das palavras de Frederico Garcia Lorca
- A poesia não quer adeptos, quer amantes.
Muito obrigada a todas e todos vocês.
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