terça-feira, 6 de agosto de 2019

CARROSSEL DE PALAVRAS - Por Susana Vernieri


CARROSSEL DE PALAVRAS


Em Fractais no café, Mara Reichert dialoga com várias vozes da literatura mundial e faz um trabalho de metalinguagem exemplar. O fazer poético está em cada metáfora, em cada poema. Dividido em três capítulos, o livro de poesias publicado pela Editora Libretos, em 2019, é um carrossel de palavras atento às falas do mundo conforme a apresentação feita por Maria do Carmo Campos, no livro.
Na primeira parte intitulada Bordas infinita,s os mistérios do feminino permeiam os versos da autora.  O patchwork da colcha literária é tecido entre panelas, fogões, feijões e lirismo. “Somos seres complexos/Fazendo feijão ou poesia/Onde tudo se agrega/Antropologia/Panelas/Farofa/ Antologia/ Agrião/ Biologia/ Agonias/De  grãos à metafísica/Interação em caldo/Aguçando Ethos e Philia.” A ética e a filosofia passam pela cozinha, hoje espaço não só preferencialmente reservado para as mulheres. No preparo da comida, tudo se agrega: a história dos segredos das receitas de vida e do convívio humanitário.

Leitora voraz, Mara usa e abusa de sua bagagem para dialogar com a tradição poética de primeira linha e o subjetivo não faz parte de seu projeto. O “eu lírico”, por toda a obra, dá lugar à uma poesia objetiva. Não há quase espaço para confissões. E o tempo é objeto circular, não retilíneo. Ou seja, o passar das horas não é estreito em direção ao infinito. As coisas e as pessoas organizam-se em todos os espaços, a linguagem vai e volta para reeditar este movimento como uma ampulheta, que é preciso virar de novo para contar o tempo que passou.
Um exemplo deste processo é o poema É isso,  da segunda parte do livro intitulada Limites permeáveis: “O resumo em si/Do jeito que se gosta/Em afirmação/Determinação/Ou dissolução de assunto/Em pausas ou contrastes/No exato segundo/Pois no seguinte/Pode virar aquilo/E não ser mais/Nada disso/. 
O real e o imaginário são voláteis. Tudo pode transformar-se em qualquer coisa. “O isso é líquido/Aguado e cambiante/Balanço de branco/Nas beiras do ser/Trato de ocasião/Como imagem no espelho/Buscando opinião//O isso é ética e estética/Linha de integração/Que sempre termina/Num ponto de exclamação”.
No decorrer do poema, Mara mostra sua erudição e permeabilidade definitiva com a literatura universal. E acaba o texto com uma provocação ao leitor.  “(...)E que em Joyce/Viram epifanias/O longe e o perto/Em atemporal tirania//Nos modos temporais/De Proust/Ou nos espantos de Clarice/Mil camadas entretecidas/Na concretude e no vazio/Onde mora um anjo/Que num toque de asas avisa:/- É isso, imbecil!”.
O terceiro capítulo de Fractais no café, reserva uma temática mais cotidiana. Imagens de praias, cidades, flashes da vida, o cinema, a fotografia, o jornal aparecem com muita leveza. Como se Mara quisesse dar um respiro ao leitor. Um alento. E fica o poema final do livro como presente de savoir-vivre: “O viver se constrói com palavras/Teias em bico de passaredo/Revoadas espalhadas no ar/Segredos, dores, prazeres e bicadas/Há uma disposição para o infinito/De todas as intenções que se dizem.”. Assim, Mara Reichert encerra o livro Fractais no Café. Com uma revoada de palavras rumo ao infinito.
Susana Vernieri autora de MemorabiliaAs grades do Céu, O Mapa da Republica, dentre outros, sobre o livro Fractais no Café, de Mara Reichert

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