terça-feira, 15 de dezembro de 2020

HÁ VOZES NA POESIA DE IRANICE

       HÁ VOZES NA POESIA DE IRANICE 

 

Susana Vernieri - escritora

 

Há um diálogo subliminar com a tradição na poesia de Iranice Carvalho da Silva. Seu livro de estréia, Escritos da Sobrevivência (Editora Libretos, 2020, 116 pgs.) traz as vozes de Carlos Drummond de Andrade e Manoel de Barros, para citar apenas dois robustos mestras da palavra, correndo pelo rio subterrâneo da linguagem. Um profundo questionamento sobre o ato de escrever também percorre os versos da escritora. Composto por três partes – Parte I: Desmantelo, Parte II: Enchentes e Parte III: Sobrevivências –, a obra contém ilustrações de autoria da própria poeta que dão ainda mais um tom de delicadeza ao texto.

O poema XIII da primeira parte, guarda uma familiaridade com os versos do poeta brasileiro Manoel de Barros, sempre atento aos ínfimos objetos que por serem mínimos são ricos de essência. “Cigarras são insetos/Alguém me informou/Que horror, como a ciência é injusta, pensei/Para mim as cigarras eram mensageiras do Natal//Grandes abelhas de vidro/Agora de volta ao interior/As escuto de novo/Lembrando-me de meus dias de infância/Quando o calendário era anunciado pela natureza.” O espanto com a condição de inseto das cigarras que a ciência lhes rouba é reconfigurado pela metáfora: mensageiras de Natal. A infância e um tempo marcado pelo relógio da natureza dão o tom do arremate do poema: tempo mágico.

 

O diálogo com Drummond é bem marcado pelo poema XXII da terceira parte: “E agora, José?/A internet desconectou/O computador pifou/O telefone falhou/E o helicóptero do governador passou.” O poeta mineiro é convocado a dialogar com Iranice em seu, outra vez, espanto, e dessa vez, a respeito da incomunicabilidade. Aliás, a questão da escrita, ou comunicação do que o ato de escrever pode ou não gerar, está no poema de abertura do livro. “Escrevo/Por necessidade/Não vivo de escrever/Vivo por escrever/Para que serve escrever?/Para nada, só para não morrer./Escrevo em conta-gotas/O pensamento vai caindo letra a letra;/Se escorresse como um rio logo me curaria de mim./Mas quem ficaria em mim?/Como me habitaria?”

Os poemas de Iranice são uma lufada de ar generoso na cena poética contemporânea. Esta baiana nascida no interior da Bahia na cidade de Campo Formoso, em 1988, mudou-se para Salvador onde formou-se pedagoga pela UNEB e especialista em psicopedagogia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É uma “baiúcha”, pois viveu no Rio Grande do Sul de 1995 a 2008 para realizar os estudos de pós-graduação na UFRGS. Atualmente é professora adjunta da UNEB e mora na cidade de Lençóis, na Chapada Diamantina.

 

 

 

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