Entrevista com José Aguiar
Amanhã, sábado, dia 5 de outubro, a partir das 17h,
José Aguiar estará na Itiban para contar suas desventuras pela Alemanha, tanto
pelo seu caderno de viagens (Reisetagebuch – Uma Viagem Ilustrada a Alemanha),
quanto pelo projeto de intercâmbio de quadrinistas que ajudou a formatar (Osmose
– Brasil e Alemanha em Quadrinhos).
Pra começar os trabalhos, conversamos com ele por email. A
entrevistinha pode ser lida a seguir:
Tanto pelo Reisetagebuch, quanto pelo projeto Osmose,
percebe-se uma ligação sua com a Alemanha. Como surgiu isso?
José Aguiar - A ligação veio por causa da minha esposa,
Fernanda Baukat, que desde antes de namorarmos estudava alemão e sonhava
conhecer a Alemanha. Com ela tive o primeiro contato com o idioma e também com
um grupo de teatro chamado Wir Sprechen Deutsch (Nós Falamos Alemão)
do qual ela participava. Fui à Alemanha para acompanha-la quando foi premiada
com uma bolsa-sanduíche da UFPR na Universidade de Leipzig. Não fosse por ela
talvez nunca tivesse visitado aquele país. Nem teria feito meu Reisetagebuch.
Obrigado, querida!
O projeto Osmose surgiu para mim em decorrência da boa
repercussão tanto das exposições do “Reise”, quanto do meu trabalho na Gibicon.
O senhor Reinhardt Sauer, na época diretor do Goethe-Institut de Porto Alegre,
visitava Curitiba e fui convidado a conhecê-lo. Era 2011 e ele estava
interessado em criar um programa bilateral de residência artística para
quadrinistas do Brasil e Alemanha.
O Goethe-Institut na última década trouxe ao Brasil vários quadrinistas alemães
ainda desconhecidos por aqui. Eu tive a oportunidade de colaborar com as
visitas de FLIX, Ulli Lust e Jens Harder para Curitiba. Essa ideia do Sauer
coroou esse diálogo, tornando-o, enfim, bilateral. O que foi perfeito graças a
chegada do “Ano da Alemanha no Brasil”, que se iniciou agora em 2013.
Na ocasião pensei que seria convidado a ser um dos artistas residentes. Mas ele
procurava autores locais que nunca tivessem ido para a Alemanha. Algum tempo
depois, para minha surpresa, ele me convidou a tomar parte na coordenação do
projeto. Não fui à Alemanha de novo, mas ajudei a formatar o projeto e mandando
três grandes artistas para lá: João Montanaro, Paula Mastroberti e Antonio
Amaral.
Você sempre quis fazer o livro de viagens na Alemanha,
estava somente juntando material pras HQs ou por qualquer outra razão?
José Aguiar - Em minha primeira viagem para lá eu não
tinha a intenção de fazer um livro sobre o assunto. Estava mais interessado em
usufruir a experiência, pois se tratava de um semestre em que estava quase
desligado do meu ambiente normal, longe da minha zona de conforto. Tanto que no
início passava mais tempo fotografando do que desenhando. Mas o bombardeio de
informações logo colocou em mim o desejo de rabiscar. Surgiu uma ou outra ideia
de HQ em minha cabeça, mas ainda era cedo e descartei tudo. Tinha muito que entender
sobre aquela experiência antes de fazer algo concreto sobre ela. Assim, aos
poucos fui desenhando só para mim. Com o tempo, na medida em que fui enchendo
meu caderno, surgiu a ideia de uma exposição no meu retorno. Foi o que
aconteceu no fim de 2006, na sede do Goethe-Institut Curitiba. A ideia do livro
veio bem depois.
Reisetagebuch é um livro de viagens bem no estilo
clássico desse tipo de material: desenhos, fotos e depoimentos do autor que
viveu as experiências contadas no livro, tudo bem pessoal. Existiu um limite da
intimidade do autor que não quis revelar?
José Aguiar - Eu sempre gostei de livros de ilustração.
Nunca achei que seria capaz de reunir um número suficiente de desenhos sobre um
tema que justificasse o livro. Então essa era uma vontade que provavelmente
ficaria para um futuro distante. Alguns anos antes eu tive contato com cadernos
de viagem editados pela editora Casa 21 e comecei a me interessar pelo tema.
Mas eu não viajava muito. Ainda mais para um lugar tão distante e diferente do
que conhecia. Esse vivência me amadureceu de muitas maneiras. Não fosse assim
não teria feito o livro da maneira como ficou.
Inclusive, no conceito inicial, seria outro formato e teria bem menos texto.
Mas ao revisitar o material que havia produzido, pensar no que faltou ser
ilustrado, repensei tudo.
O distanciamento pelo tempo me permitiu uma reflexão sobre tudo o que vivi. O
que me ajudou a escrever depoimentos sinceros, pois eu queria conversar com o
leitor. Eu queria que ele se sentisse companheiro na jornada. Um amigo.
O limite dessa intimidade com o leitor provavelmente é aquele que não me
permitiu abrir mais a intimidade do casal de viajantes. Se falasse de nossa
vida pessoal em primeiro plano, o livro teria outro sentido. Aí seriamos
protagonistas, personagens! Mas a minha intenção era falar da Alemanha. Não de
nós. Sim, através do livro somos o canal entre o leitor e aquele país através
de meu ponto de vista. Mas não vi sentido em esmiuçar todas as experiências
para tentar forjar uma relação mais expositiva. Isso eu preferiria fazer na
forma de uma ficção inspirada em nossas viagens. Tenho uma ideia para uma
graphic novel que parte desse princípio que espero realizar em breve.
Qual é a diferença de pensar o material do Reisetagebuch e
de uma HQ?
José Aguiar – Acredite ou não, Reisetagebuch foi
um projeto mais fácil de fazer do que uma HQ. Como não se tratava a princípio
de um de livro, foi surgindo organicamente. Primeiro em desenhos em meu
caderno, depois ilustrações de temas específicos que renderam duas exposições
até chegar à ideia do livro. Já uma HQ precisa de um planejamento mais ordeiro
desde o princípio, senão acaba inconclusa ou sem sentido.
Quando chegou a hora de escrever o livro, a partir das imagens que criei e do
acervo que montei, já estava tudo lá. Era só por a casa em ordem.
Qual foi seu trabalho no Osmose como curador e de
que maneira chegou a esses artistas?
José Aguiar - Na verdade, a curadoria do evento ficou a
cargo do jornalista e tradutor Augusto Paim. Eu participei das discussões e
escolhas dos possíveis candidatos, pois era consultado durante todo o processo
devido a minha experiência como autor e curador de eventos de quadrinhos. Mas
as minhas reais funções foram ajudar na formatação do projeto, cronogramas de
trabalho e parâmetros editoriais para os artistas, com quem mantive contato
durante suas viagens. Quando a Libretos assumiu a edição do livro acompanhei o
processo para que estivesse dentro dos critérios definidos pelo
Goethe-Institut.
Os artistas foram escolhidos a partir de diversos critérios: queríamos que
representassem diferentes regiões, gerações e traços de ambos os países. Que
fossem artistas capazes de realizar tanto roteiro quanto desenho, mas que
tivessem uma obra autoral, no sentido de não serem autores que trabalham sob
encomenda para os mercados americano ou europeu. E, como disse antes, que ainda
não tivessem visitado o país onde iriam registrar em uma HQ inédita.
Assim, cada um viveu um mês longe de casa e criou, além dos diversos esboços
presentes no blog
do projeto, o livro Osmose – Brasil e Alemanha em Quadrinhos que
se tornou meu segundo projeto realizado sobre a Alemanha em 2013, publicado no
mesmo ano do meu diário de viagens pessoal, o Reisetagebuch – Uma Viagem
Ilustrada pela Alemanha, o que fechou um ciclo de minha vida relacionado à
Alemanha.
Link para a matéria original: http://itibancomics.wordpress.com/2013/10/04/entrevista-com-jose-aguiar/
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