Matéria do Jornal Já de 02 de dezembro de 2013
Noiva da Lagoa volta ao local do crime
Geraldo Hasse
Rafael Guimaraens, está na Feira
do Livro de Osório, um dos municípios-cenários do livro A Dama da Lagoa,
que recupera dramaticamente o crime passional de agosto de 1940, quando uma
jovem da elite portoalegrense chamada Maria Luiza (Lizinka) foi “enterrada” na
Lagoa dos Barros pelo namorado Heinz Schmeling. Com 216 páginas, A Dama da
Lagoa, editado pela Libretos, vendeu 250 exemplares no maior evento literário
de Porto Alegre, a 59a Feira do Livro.
Neto de Eduardo Guimaraens,
famoso poeta vinculado ao simbolismo, e filho do jornalista Carlos Rafael
Guimaraens, Rafael não se ilude com o sucesso de vendas. O que ele mais teme é
que as pessoas comecem a ler e ponham o livro de lado. Nesse aspecto as
notícias têm sido boas. O cronista Liberato Vieira da Cunha deixou na banca da
Libretos um bilhete com um elogio explícito ao autor.
Com uma dezena de obras publicadas,
entre eles A Enchente de 41 (em quarta edição) e O Crime da Rua
da Praia (em segunda edição), que resgatou um assalto ocorrido em 1911 na
capital gaúcha, Rafael não apenas contou direito a história do crime de 1940
como esboçou um painel da sociedade portoalegrense de 70 anos atrás. Logo nas
primeiras páginas de A Dama da Lagoa, ao apresentar o contexto que cercou
o crime, ele resume com leveza em 30 ou 40 linhas o clima germanófilo do Sul do
Brasil estadonovista. É um flash revelador do envolvimento sulino com o redemoinho
nazista.
Aqui o repórter formado em 1976
revela uma habilidade muito além do jornalismo policial. Não por acaso ele
confessa gostar muito de novelas policiais. Quando criança, lia Agatha
Christie, depois Conan Doyle, mais tarde os clássicos Hammet, Chandler, Poe,
Simenon, Rex Sout. Ultimamente está descobrindo a obra do Camilieri, criador do
detetive Salvo Montalbano, “muito divertido”, segundo ele.
Nesta entrevista, Rafael
Guimaraens explica seu trabalho.
JÁ – Por que o título do livro
não se conecta à lenda que até hoje se refere à Noiva da Lagoa?
RAFAEL – Existe a lenda da moça vestida de noiva que aparecia para os caminhoneiros, mas na realidade Lisinka não estava noiva de Heinz. E quando foi jogada na lagoa usava um vestido azul. Coloquei A Dama da Lagoa como uma referência ao livro do Raymond Chandler, tipo uma homenagem.
JÁ – As figuras policiais do
livro A Dama da Lagoa são autênticas?
RAFAEL – São reais. O delegado Gadret era um policial implacável. Tive a alegria de encontrar a filha dele na sessão de autógrafos e ela disse que o retrato do pai está fiel. Referiu uma cena em que ele vai encontrar Heinz no Hospital Alemão: “Parecia que eu estava vendo ele, com toda aquela energia”.
JÁ – Seu pai Carlos Rafael
Guimaraens era respeitado como jornalista e cronista. O que pegaste dele para
tua carreira como escritor?
RAFAEL – O pai escrevia muito bem. Tinha cultura, memória e um texto muito rico, no qual perpassava uma ironia com a própria erudição. Seus contemporâneos o consideram o melhor de sua geração. Convivemos muito na minha infância e adolescência. Eu lia eventualmente seus textos, mas tomei contato mais próximo com o conjunto da obra dele quando organizamos o livro Morcego em Paris, uma seleção de crônicas que venceu o Prêmio Açorianos. No prefácio, o Sergio da Costa Franco disse que o pai foi a pessoa mais inteligente que ele conheceu, o que não é pouco.
JÁ – E teu avô, o poeta Eduardo
Guimaraens?
Nem o pai o conheceu, porque tinha só dois anos quando ele morreu.
JÁ – Todos os teus livros têm
algo em comum: são baseados em fatos reais. Tens mais algum engatilhado?
RAFAEL – Meus livros são basicamente de jornalismo com ênfase na memória, seja de fatos pontuais, como Tragédia da Rua da Praia, Enchente de 41, Unidos pela Liberdade e A Dama da Lagoa, ou de movimentos, como Trem de Volta – Teatro de Equipe, Teatro de Arena – Palco de Resistência e Abaixo a Repressão – Movimento Estudantil e as Liberdade Democráticas. Mas em Tragédia da Rua da Praia e A Dama da Lagoa eu exercito esse possibilidade de tratar de um fato real com uma narrativa de romance ou novela.
JA – É verdade que estás
escrevendo uma ficção 100%.
RAFAEL – Estou escrevendo uma história meio comédia, meio policial, cujo personagem é um músico consagrado que, por várias circunstâncias, caiu em desgraça e ganha a vida tocando sax vestido de palhaço, contratado por uma loja de calçados infantis. Ele se muda para um apartamento onde houve um crime violento e sua curiosidade o leva a várias situações divertidas e dramáticas. Por enquanto posso dizer que estou me divertindo muito e não tenho muito ideia de como isto vai acabar.
JÁ – Quanto tempo levaste para
fazer A Dama da Lagoa?
RAFAEL – Essa história me interessa há muito tempo. Passei a infância no bairro Moinhos de Vento e tenho ascendência alemã por parte da minha mãe, Dona Vera, falecida em janeiro deste ano. Ela conhecia tanto o Heinz quanto a Lisinka e sempre falava da história. Várias vezes comecei a trabalhar no projeto, mas era obrigado a me desviar para outras coisas, até que no final do ano passado resolvi encarar a empreitada.
JÁ – Recorreste a algum consultor
para manter o rumo da história?
RAFAEL – Posso dizer que meu consultor foi o Carlos Augusto Bisson, que recuperou a história em seu livro sobre o bairro Moinhos de Vento. Trocamos muitas ideias e cogitações.
JÁ – Foste aos locais do crime: a
rua Casemiro de Abreu, a construção onde o assassino pegou os tijolos para
“enterrar” a moça, o posto da Mangueira na rua Benjamin Constant, a Lagoa dos
Barros?
RAFAEL – Fui aos locais. Tive
muita dificuldade para encontrar o local exato onde o corpo foi sepultado na
Lagoa – na verdade, não consegui. O posto de gasolina não existe mais. A
construção na Bordini era um sobrado de dois andares, perto da Marquês do
Herval.
JÁ – No livro há dois jornalistas
rivais, um Koetz e outro Neumann, o primeiro repórter do Correio do Povo, o
segundo um jornalista duplê de policial que trabalhava o Diário de Notícias:
eles existiram ou são personagens inventados para retratar facetas contraditórias
do jornalismo?
RAFAEL – Paulo Koetz existiu, foi
o cara que achou a pérola do colar da moça, mas eu não tinha muitas informações
sobre ele e acabei moldando o personagem à história. Já o repórter do Diário
era um funcionário da Polícia, mas não sei o nome e não encontrei referências
e, assim, fundi com o editor da Vida Policial, a revista dos investigadores.
JÁ – Percentualmente, de suas 216
páginas, quanto o livro tem de ficção? Uns 15%?
RAFAEL – Acho que é um bom
percentual.
JÁ – Todos os teus livros têm um
pé firme na realidade concreta, são ancorados em alguma história real, mas
parece que te inclinas seriamente para a ficção. Estás seguro de que esse
caminho é seguro?
RAFAEL – Neste livro que estou tentando escrever, me inspiro em algumas construções que meu pai fazia em textos mais irônicos. Mas a minha escrita é bem simples, nada sofisticada. Acho que meus livros têm como característica o ritmo da narrativa. O pior que pode acontecer a um escritor não é que as pessoas não comprem os livros dele, mas que o leitor comece a ler e desista. Penso nisso o tempo todo enquanto estou escrevendo. Por enquanto, está dando certo.
A MÃO DE CLÔ BARCELOS
Desde o infantil O Livrão e o Jornalzinho, os livros de Rafael Guimaraens são editados por Clô Barcelos, a alma da Libretos, a editora mais em evidência no panorama literário riograndense. Com cerca de 50 títulos, todos com o rigor crítico da ex-diagramadora da Plural Comunicação (revistas Amanhã e Aplauso), a pequena editora familiar teve em 2013 o seu ano mais produtivo: lançou 12 livros – cinco autosustentados, cinco copatrocinados e dois incentivados. É uma evolução significativa em relação aos seus primeiros anos, quando a Libretos subsistiu graças à edição, produção e lançamento de livros patrocinados ou incentivados por leis culturais. Apesar do sucesso da parceria, Clô e Rafael temem que o excesso de visibilidade possa criar percalços para a sustentabilidade da editora. “Quanto mais alto o voo, maior o risco”, diz ela.
Desde o infantil O Livrão e o Jornalzinho, os livros de Rafael Guimaraens são editados por Clô Barcelos, a alma da Libretos, a editora mais em evidência no panorama literário riograndense. Com cerca de 50 títulos, todos com o rigor crítico da ex-diagramadora da Plural Comunicação (revistas Amanhã e Aplauso), a pequena editora familiar teve em 2013 o seu ano mais produtivo: lançou 12 livros – cinco autosustentados, cinco copatrocinados e dois incentivados. É uma evolução significativa em relação aos seus primeiros anos, quando a Libretos subsistiu graças à edição, produção e lançamento de livros patrocinados ou incentivados por leis culturais. Apesar do sucesso da parceria, Clô e Rafael temem que o excesso de visibilidade possa criar percalços para a sustentabilidade da editora. “Quanto mais alto o voo, maior o risco”, diz ela.
Link para a matéria original: http://www.jornalja.com.br/2013/12/02/noiva-da-lagoa-volta-ao-local-do-crime/
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