quinta-feira, 2 de abril de 2015

Entrevista com o autor do livro Imóveis Paredes, Miguel da Costa Franco

É o seu primeiro livro?

         Sim, é o meu primeiro livro e o meu primeiro romance. Participei, junto a outros autores, de algumas coletâneas de narrativas curtas publicadas anteriormente. E tive alguma experiência como colaborador do suplemento literário do Correio do Povo e do Pasquim Sul no passado. 

Você foi corroteirista da série Doce Mãe, qual foi a principal diferença que você encontrou entre escrever um roteiro para a tv e escrever um livro?

      As duas experiências se complementam. Embora a arte de escrever roteiros, que privilegia a composição da imagem, se distancie bastante do que seja a escrita literária, ela também se fundamenta na construção de boas histórias e bons personagens. Na experiência do telefilme, e depois da série "Doce de Mãe", uma diferença fundamental foi o trabalho coletivo, pois atuávamos em grupos de duas ou até cinco pessoas escrevendo um mesmo roteiro. Nesse caso, é preciso uma boa interação, bastante humildade, disposição para abandonar opções próprias para  embarcar na canoa do outro, de forma colaborativa. Para escrever roteiros, é necessário compatibilizar ímpeto criativo com prazos pré-definidos, entender-se como parte de um processo muito maior, cheio de condicionantes externas relacionadas á técnica audiovisual, ao orçamento, às pessoas envolvidas, às locações. O roteiro não é a obra em si. A obra é o filme. A literatura deixa-nos mais livres para escolher caminhos e no processo "industrial" do livro o autor tem maior relevância sobre o produto final. Mas por vezes pode ser angustiantemente solitária. O que une as duas coisas, ao meu ver, é a forte percepção de que escrever é reescrever. O bom texto não cai do céu, precisa ser trabalhado, lapidado. Esse aprendizado eu trouxe dos roteiros para o romance.


Você se identifica com o personagem Eleutério Paredes?

       Sim, me identifico em parte, naturalmente. Como também me enxergo em alguns outros, como a secretária Dasdô, a filha Bebel, ou até mesmo o executivo da incorporadora, pois de alguma maneira cumpri papéis como esses ao longo da vida. Quem me conhece de perto, há de ver algumas semelhanças entre Eleutério Paredes e eu, mas também muitas diferenças.  Um personagem é, em geral, uma composição de experiências diversas, de atitudes, de valores expressos. Paredes se construiu ao longo da trama e a impressão final é de que compartimos alguns desencantos com os rumos da nossa sociedade, cada vez mais  individualista e alicerçada no consumo, desprezando laços e memórias.

E a ideia da temática do livro, a especulação imobiliária, a vontade de proteger um casarão histórico, de onde veio, tem alguma ligação com a sua vida, ou com situações que você já viveu?

         A temática do livro surge de uma aflição cotidiana. Da sacada do meu apartamento - moro num lugar alto - vejo pipocar espigões um atrás do outro, suprimindo áreas verdes, nacos de paisagem e multiplicando a presença de moradores sobre espaços finitos, com resultados  ruins sobre os nossos hábitos, nosso conforto, a facilidade de deslocamento, o ânimo da vizinhança, a sociabilidade. Nos dias de hoje, especialmente, quando as construtoras estampam as manchetes de forma pouca lisonjeira, é inevitável associar a perda de possíveis áreas de lazer e convívio de interesse absoluto da população, como parques, beira do rio, cais do porto e outros tantos exemplos bem atuais, com os processos escusos de corrupção, financiamento eleitoral, manobras legislativas, que favorecem a verticalização das cidades. Mas procurei abordar essa temática a partir dos olhos de um cidadão comum, de uma proposta específica sobre o casarão em que ele viveu toda a sua vida, pois, ao lado dos interesses empresariais, estão também os sonhos de nós todos e as vantagens pessoais que cada negócio individual pode trazer. É assim que, como indivíduos, nos somamos a essa tragédia da destruição das cidades e do nosso passado. O casarão em que vive Eleutério Paredes é parte, sim, das minhas memórias pessoais. Vivi numa casa assim por alguns anos na minha juventude. Ela ainda está de pé, mas deve cair, mais dia menos dia. Virou um grande cortiço. (O curioso é que o apelido de Eleutério Paredes - "Teté" - está pichado na fachada dela.) Mas a temática de "Imóveis Paredes" não se restringe a isso. É também uma história de amor, como quase todas,  uma história de amores conturbados, um pequeno mergulho no universo das relações humanas.

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