Matéria sobre o livro Governar na Crise, de Marco Weissheimer, que saiu no Sul21 no último dia 25.
Governar na Crise - Por Céli Pinto
A leitura do excelente livro “Governar na Crise”, de Marco
Weissheimer, sobre o governo Tarso Genro, nos obriga a perguntar: quando
teremos novamente uma proposta de governo como aquela?
O livro traça uma radiografia muito completa sobre o governo
de Tarso Genro, mostrando todas as propostas e realizações. Não se trata de um
elogio fácil, certamente muitas das propostas não conseguiram ser realizadas
completamente, outras talvez pudessem ter sido melhor formatadas, mas o que
fica muito claro é que havia uma proposta de governo e ela tinha uma
concepção política ideológica precisa: era democrática, tinha uma preocupação
central com o social, com as classes populares, com o funcionamento correto dos
serviços públicos. Mas nada disto foi suficiente para impedir a derrota de
Tarso e, em 2016, do PT nas eleições municipais de Porto Alegre.
No capítulo do livro que analisa esta derrota, Tarso Genro é
entrevistado e afirma que “perdemos pelos nossos acertos; perdemos porque
perdemos a opinião pública.” Concordo com o governador e a questão agora
é saber porque, apesar dos acertos, perdemos a opinião pública.
A questão da mídia, tanto nacional como regional, cumprindo
com grande eficiência a tarefa de desconstruir o PT, sempre deve ser
considerada como um ator fundamental.Mas o que não podemos esquecer é que
esta mídia não mudou nos últimos três anos, os ataques aos governos petistas
pela Globo e especialmente pela RBS, no Rio Grande do Sul, foram constantes
deste a primeira vez que o PT assumiu a prefeitura de Porto Alegre com Olívio
Dutra. O que aconteceu é que, em um certo momento, o massacre da mídia
tornou-se o princípio da verdade.
Podemos refletir sobre esta questão, a partir da problemática
da rearticulação do capitalismo internacional e nacional. Podemos
refletir a da crise política e dos repetidos escândalos de corrupção.
Penso que estes fatores devem ser levados em consideração,
mas temos de pensar analítica e politicamente e responder uma outra
questão: por que o eleitor vota agora na direita? Votou em massa em
prefeitos conservadores, neoliberais em figuras que transitam nas margens da
caricatura, como o atual prefeito de São Paulo.
Muitas críticas foram feitas ao PT, e uma das mais fortes é
que o partido se afastou dos movimentos populares. Isto é verdade. Um partido
no governo por muitos anos se deturpa, não por questões morais, por gosto pelo
poder e outras quimeras desta natureza. Deturpa-se porque governar é o esforço
do possível. Cada pequena vitória, que parece as vezes prosaica para o
cidadão comum, custa muitas vezes grandes acordos. Isto é da natureza do
governar em regimes democráticos e nós vivíamos em um regime democrático com
todas as mazelas que a democracia traz consigo.
Mas o afastamento dos movimentos sociais, discutido
repetidamente dentro do próprio PT, não explica o voto na direita, pelo simples
fato de que imensa maioria dos eleitores que votaram no PT nunca pertenceram a
nenhum movimento social, não era esta a militância que fazia a maioria votar no
PT. Quem votava no PT, e agora votou no Marchezan, no Doria, no Crivella e
outros da mesma linha, são homens e mulheres trabalhadores, simples, que
acreditavam no PT, que melhoraram de vida nos governos petistas, mas que viram
o partido desmoronar. Não foram os governos petistas que desmoronaram, foi o
partido. Tarso Genro fez um bom governo no Rio Grande do Sul. Haddad foi
certamente o melhor prefeito do Brasil durante a sua gestão. Mas isto não
resultou em ganhos para os candidatos em 2016.
Junto aos velhos eleitores petistas que abandonaram o
partido está uma juventude, que possivelmente é a massa do eleitorado que não
compareceu às urnas. É um eleitorado, muitas vezes de esquerda, mas não petista
e não partidário. O PT, para quem tem 20 anos, é o velho. Desde que se deram
conta da vida, o PT era o governo, era a autoridade a ser batida. E os jovens
têm razão. O PT atualmente é um partido de pessoas velhas, na sua grande
maioria.
Não parece razoável pensar que o PT morreu, mas para
que o partido possa se apresentar novamente com uma proposta vitoriosa
eleitoralmente, para que possamos ter na disputa política as questões de
desenvolvimento, de democracia, de igualdade como centrais, o partido tem de
enfrentar suas mazelas. A renovação é urgente. O pacto democrático que
possibilitou a viabilidade política do PT se esgotou. E o PT é parte deste
pacto, superá-lo exige um esforço político hercúleo.
A história do surgimento do PT é a história do novo em um
cenário de pacto político (não democrático, porém pacto) esgotado. O PT pode
ser um ator importante na construção de um novo pacto
democrático no Brasil, mas não está escrito nas estrelas que será. E esta é a
realidade a enfrentar. O PT tem de novamente dizer ao povo brasileiro a que
veio, para rearticular sua bases e sair do imobilismo das discussões intra
partidárias.
Céli Pinto é Professora Titular do Departamento de
História da UFRGS.
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