segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O brasileiro (não) esquecido (por nós)


Eduardo Guimaraens, 1923 em 2018



Boa tarde a todas todos!
Sou Maria Etelvina, neta de Eduardo Guimaraens.

Em primeiro lugar, quero agradecer à Biblioteca Pública do Estado por nos receber nesta tarde tão especial para nós, netas, netos, bisnetas e bisnetos de Eduardo. E agradeço na pessoa de sua diretora, Morgana Marcon, que tão prontamente fez o convite para que o lançamento de Poemas se desse aqui. Muito obrigada, Morgana. Como já te disse pessoalmente e repito aqui em público, para nós é muito importante que o lançamento do livro seja nesta que foi a casa de Eduardo. Nela ele trabalhou, foi vice-diretor e diretor até seu falecimento em 1928. Nela está afixado seu medalhão, na parede da sala ao lado. Nela, nossa avó Etelvina trabalhou como secretária também até sua morte em 1956. Nela foi lançado Dispersos em 2002.

Nela nós estudamos, pesquisamos. Nela as crianças, os jovens, os adultos e os idosos encontram sua fantasia.

Quero agradecer, também, a Câmara Riograndense do Livro que incluiu este evento na programação da feira do livro e homenagear a sua patrona da feira, Maria Carpi.

Quero agradecer minhas irmãs, primas e primos que confiaram em mim e concordaram que eu tomasse frente na organização desta publicação. Ao Rafael por ter aceitado ser editor deste livro, à Clô Barcellos, responsável pela proposta gráfica de Poemas. Obrigada pelo carinho e capricho com que trabalhaste na edição deste livro.

Muito obrigada e espero que não estejam arrependidos.

Para este lançamento, fizemos questão da presença dele, Eduardo, aqui retratado por Lucílio de Albuquerque em 1916. Também convidamos Etelvina, que está presente em seu retrato, também de Lucílio, na vitrine que organizamos, acompanhada de seu binóculo.

Não sou poeta, não sou jornalista, não sou escritora. Minha área de estudo e produção sempre foi o direito, em especial o direito urbanístico. Nosso bisavô Gaspar era jornalista e integrava o Parthenon Literário. Nosso avô Eduardo era poeta, jornalista, tradutor, cronista e contista, dramaturgo. Meu padrinho Carlos Rafael era jornalista, editorialista do Correio do Povo, cronista e teve um livro publicado após a sua morte (Um morcego em Paris, 2007). Meus primos Eduardo e Rafael são jornalistas e Rafael é, principalmente, escritor; minha irmã Beatriz estudou jornalismo. Minha irmã Virgínia teve sua primeira poesia publicada aos oito anos no Correio do Povo e minha prima Ana Lúcia publicou seu livro de contos, As Gárgulas (Libretos), em 2010.

Mas não sendo poeta ou escritora, coube a mim tocar esta publicação. Meu nome consta como organizadora, mas organizadora de um livro que estava praticamente pronto desde 1923? Ok. Mas por que agora?

Bem, há muito tempo me envolvo com os originais de nosso avô.

Nosso avô poeta morreu jovem. Ele tinha 36 anos, em 1928, quando faleceu. Seus filhos Dante Gabriel e Carlos Rafael tinham 4 e 2 anos. Não conheceram pessoalmente o pai. Mas o conheceram pelas lembranças de sua mãe, nossa avó, pela sua poesia que o imortalizou como patrono da cadeira 38 da Academia Riograndense de Letras. Sua presença nos chegou, aos netos e netas, por meio de seus objetos, guardados como relíquias pela nossa avó e pela tia bisavó Olintha Braga (Dinha) na casa da Duque. Seu pince-nez, furador de papel e castão de bengala estão expostos na nossa vitrine. Sua presença era constante nos quadros e fotografias, na sua poesia que pairava em nossa volta. 

Nosso avô jovem era uma presença-ausente constante em nossa vida. Éramos crianças e brincávamos com seus objetos.

O acervo que deixou foi inicialmente guardado pela vó Etelvina. Após a sua morte em 1956, a guarda ficou com a Dinha e, em 1967, quando faleceu o acervo foi dividido entre os dois filhos. Graças a eles Dante e Carlos, e suas esposas Nair e Vera, o acervo nos chegou. Documentos do princípio do século passado!

Em 1969, Eduardo foi patrono da feira do livro. Meu pai, Dante, tinha falecido há dias e a abertura da feira foi numa tarde chuvosa.

Quando adolescente, estudante do Rosário, muitas vezes eu ia sozinha visitar Eduardo na praça Dom Feliciano, onde estava o seu busto. Ficava lá olhando, conversando com ele. `As vezes o apresentava a amigos. Segundo minha mãe, meu tio Carlos serviu de modelo para o desenho da cabeça. Hoje o busto não está mais lá, pois foi roubado e nunca mais encontrado.

Mais tarde, já adulta, uma noite em vigília na casa de minha mãe, comecei a abrir armários e caixas. De repente me deparei com pastas de couro, muito antigas. Minha curiosidade me fez abri-las. Surpresa e emoção. Cartas, poesias, manuscritos de toda a ordem. A letra de meu avô. Originais datilografados (acho que por minha avó). Como se ao abrir aquelas pastas novamente encontrasse com Eduardo. A letra dele mostrava um pouco da sua face. Era uma letra linda, clara. Suas poesias eram escritas em duas cores: vermelho e preto. E muitas vezes acompanhadas por desenhos.  Uma das pastas está exposta na vitrine.

Passaram-se alguns anos, fui procurada pela Professora Maria Luiza Berwanger da Silva, apaixonada pela obra de Eduardo e dedicada ao seu estudo e divulgação. Na ocasião emprestei à ela parte do material. Não lembro exatamente quando, a Biblioteca homenageou seus primeiros diretores e Maria Luiza, em sua palestra linda, Eduardo Guimaraens. O material foi exposto em fac-símile e devolvido organizado como só ela poderia fazer.

Mais tarde, em 2002, resultado da iniciativa de meu primo Rafael e do projeto aprovado no Funproarte, foi publicado o livro Dispersos. Para este livro Maria Luiza reuniu, organizou e apresentou os poemas, estabelecendo o fio condutor que transformaram a coletânea em um conjunto harmônico.  Temos consciência de que seu trabalho foi imprescindível para o êxito da publicação, que se esgotou rapidamente. Um livro de poesias esgotado é quase um milagre!

Desde então ideia de organizar, catalogar e divulgar a obra inédita paira em nossas mentes. Sempre foi um projeto para minha aposentadoria! Para tentar organizar o acervo, iniciei separando a prosa do verso. Me emocionei lendo sua poesia, e me deliciei lendo suas crônicas. Fui, então, apresentada a um novo Eduardo, o jornalista. Suas matérias traziam para Porto Alegre as notícias do mundo. Comentava o que acontecia na França, na Alemanha, na Rússia, na Inglaterra...Era responsável pela crônica de cultura e arte. Aos poucos fui preenchendo a sua ausência e me envolvendo com sua personalidade multifacetada.

Em 2016, viajando para visitar meu filho Francisco que morava na Irlanda, ficamos alguns dias em Lisboa.

Tomamos conhecimento da Casa Fernando Pessoa e fomos visitar. Na entrada, o grande mural da exposição Nós os de Orpheu mostrava os colaboradores da revista. Passei reto pelo mural. Queria absorver a exposição e suas surpresas uma a uma.

Seguindo o caminho orientado para o circuito da exposição, pegamos o elevador e subimos ao terceiro andar. Lá encontramos Pessoa em sua Lisboa, as imagens que nos levavam a penetrar no mundo da Orpheu. Descendo, então, pelas escadas, no entre piso, lá estava ele, Eduardo Guimaraens O Brasileiro Esquecido. Suas fotografias, sua poesia, alguns dados sobre sua vida (a data de nascimento estava errada, constou como 1882 em vez de 1892).  A revista Fon-Fon! e seus colaboradores também estavam lá. Aliás, vale muito a pena entrar na página da Biblioteca Nacional e pesquisar a revista. Vocês vão encontrar maravilhas. Dia destes Rafael, Clô e eu viajamos no tempo visitando as suas páginas digitalizadas.

Retomando... Surpresa, emoção, arrepio, as pernas afrouxaram. Sabia da importância da poesia de meu avô na literatura brasileira. Poeta simbolista sempre referido. Sabia de sua participação nas diversas revistas literárias da época. Mas nunca imaginei encontrá-lo na Casa Fernando Pessoa. Nosso avô Eduardo, poeta que morreu jovem e sempre presente em nossa vida, me surgia em um momento inesperado. Além-mar, tanto mar.

E a história foi surgindo nas paredes da Casa Fernando Pessoa. Em 1913 Luís de Montalvor, que integrava a Orpheu, vem ao Brasil e, no Rio de Janeiro, profere a palestra “O Gênio da Raça Brasileira”. Conhece a revista Fon-Fon! e convive com seus colaboradores, dentre os quais Eduardo que então morava no Rio.

Em 1915 Luís de Montalvor solicita a Ronald de Carvalho que lhe envie poesias de poetas brasileiros. Este lhe responde: “Escreverei ao Eduardo para satisfazer o que me pedes. Mandarei versos do Álvaro, do Homero, do Ernani, a prosa de Alcides Maia e, talvez, do Graça Aranha.”
Esta correspondência deu origem à publicação de três poemas de Eduardo na Orpheu 2: Sobre o Cysne de Stéphane Mallarmé, Folhas Mortas e Sob os teus olhos sem lágrimas.

Dois brasileiros publicaram na Orpheu: Ronald de Carvalho e Eduardo Guimaraens. Um gaúcho.
Eduardo Guimaraens O Brasileiro Esquecido. Sentimento duplo. Emoção e irresignação. Ele não pode ficar esquecido. E se depender de mim, de minhas irmãs Beatriz e Virgínia, primas (Sílvia e Ana) e primos (Eduardo, Rafael e Gabriel, infelizmente já falecido) ele não vai permanecer esquecido.

Retornei ao Brasil e a ideia de retomar a divulgação e a publicação de sua obra não me saiu da cabeça. Em 1978, o Instituto Estadual publicou a terceira edição da Divina Quimera. A primeira, publicada em 1916, foi orientada pelo próprio Eduardo. A segunda foi organizada por Mansueto Bernardi em 1944. A prova gráfica da primeira edição está na nossa vitrine. Aliás, esta prova Eduardo encadernou e dedicou à Etelvina. Somente a segunda e a terceira edições são encontradas nas livrarias. Retomar, também, porque em 2002 publicamos Dispersos.

Em face de sua participação na revista Orpheu, Eduardo integra hoje a exposição Fernando Pessoa a minha arte é ser eu. Nela encontramos o retrato pintado por Helios Seelinger em 1915 (o qual fora reproduzido na exposição portuguesa), e, na sua vitrine: a segunda edição da Divina Quimera, um exemplar da tradução de Canto Quinto (publicada em 1920, primeira tradução brasileira da Divina Comédia), Dispersos e Poemas. Aliás, o exemplar de Canto Quinto foi generosamente doado ao acervo pelo fotógrafo Luis Carlos Felizardo, herdado de seu pai Alfredo Carlos Felizardo, que o recebeu de presente das mãos do próprio Eduardo. Também na vitrine constam duas páginas manuscritas e uma página original datilografada de Núpcias de Antígona, poema trágico adaptado que Eduardo fez da obra de Sófocles.

Agora estamos lançando Poemas, livro de poesias escritas em francês por Eduardo em 1923, traduzidas por Alcy Cheuiche e Lívia Petry Jahn.  

Sim. Eduardo compunha poesias em francês, sentia em francês. Me chamou a atenção uma carta de Pessoa respondendo a Montalvor,  na qual opina sobre a publicação de seus poemas, onde afirma:
Li tudo com a maior attenção, e o conselho que posso dar-lhe é extremamente fácil de expor: publicar todos os versos que estão em português, não publicar nenhum dos versos que estão em francês.
Os poemas em português formam um pequeno volume interessante. Os poemas em francês não formam (a meu ver) coisa nenhuma. Nunca se deve escrever –entendendo-se por escrever o escrever literariamente – em uma língua que não se possua de dentro, isto é, com os pensamentos formados organicamente nella.

Esta carta está na Exposição e no seu catálogo, na página 85.

Pessoa escrevia – literariamente - em português e em inglês. Eduardo escrevia em português e em francês. Estes poemas, escritos em francês, não foram lidos por Pessoa. Eu gostaria de saber a sua opinião sobre eles!

Faço aqui uma referência absolutamente necessária: o artigo O mesmo como outro e o Outro como o Mesmo: as poesias em francês de Eduardo Guimaraens, de autoria de Maria Luiza Berwanger da Silva na obra Transcriações, Teoria e Prática, organizada por Tania Franco Carvalhal, Lucia Rebello, Eliana  Ferreira. Infelizmente não tivemos condições de acrescentar este precioso documento na publicação.

Sobre o livro Poemas, ainda algumas observações. Nosso propósito era interferir o mínimo possível no projeto de 1923. Assim, só acrescentamos o que consideramos absolutamente essencial. Para viabilizar a publicação, alteramos o tamanho resguardando as proporções. Mantivemos suas cores e desenho (ou design). Na capa inserimos o selo da Libretos e na contracapa o indispensável código de barras. Incluímos a folha de rosto, a catalogação atual. Inserimos a minha apresentação, os agradecimentos, as traduções, e o texto de Lívia nos mostrando o poeta.  Acrescentamos, também, na página 84, a reprodução do ex-libris (que só constava originalmente no selo da capa), do medalhão e a data em números romanos, em composição tão criativa de Eduardo na contracapa.   Os originais de Poemas estão na nossa vitrine.

Sobre o desenho do ex-libris, preciso esclarecer algumas coisas. Temos conhecimento de que Eduardo usou dois desenhos: o que acabei chamando de desenho clássico, criado em 1916 para a primeira edição da Divina Quimera e o que consta nos originais de Poemas, que aqui chamo de modernista. Em função do desenho que encontramos, que está aqui na vitrine, sempre consideramos que tivesse sido criado por Eduardo.

Porém há pouquíssimos dias, uma semana, encontrei uma carta de Eduardo, do Rio de Janeiro, de 08 de outubro de 1916, na qual ele afirma, sobre a Divina Quimera, “os desenhos de capa e do ex-libris serão feitos pelo Correa Dias”. Então, corrijo aqui minha afirmação que consta na página 4 em relação ao desenho de 1916.

Quero, ainda, homenagear nossa tradutora Lívia e nosso tradutor Alcy, que, aceitaram o desafio de traduzir estes poemas. Imagino a dificuldade em traduzir uma poesia, manter seu conteúdo e musicalidade. E em que prazo! Muito obrigada. Sem vocês este livro não estaria aqui.
E anuncio que estamos digitalizando e vamos catalogar todo o acervo. E que pretendemos, aos poucos, publicar a obra inédita. Quem sabe um início da Fundação Eduardo Guimaraens que meu primo Gabriel sonhava.

Encerro me socorrendo das palavras de Frederico Garcia Lorca - A poesia não quer adeptos, quer amantes.

Muito obrigada a todas e todos vocês.

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