CARROSSEL DE PALAVRAS
Em Fractais no café, Mara Reichert dialoga com várias vozes
da literatura mundial e faz um trabalho de metalinguagem exemplar. O fazer
poético está em cada metáfora, em cada poema. Dividido em três capítulos, o
livro de poesias publicado pela Editora Libretos, em 2019, é um carrossel de
palavras atento às falas do mundo conforme a apresentação feita por Maria do
Carmo Campos, no livro.
Na primeira parte intitulada Bordas infinita,s os mistérios
do feminino permeiam os versos da autora. O patchwork da colcha literária é
tecido entre panelas, fogões, feijões e lirismo. “Somos seres complexos/Fazendo
feijão ou poesia/Onde tudo se agrega/Antropologia/Panelas/Farofa/ Antologia/ Agrião/ Biologia/ Agonias/De grãos à metafísica/Interação em caldo/Aguçando
Ethos e Philia.” A ética e a filosofia passam pela cozinha, hoje espaço não só
preferencialmente reservado para as mulheres. No preparo da comida, tudo se
agrega: a história dos segredos das receitas de vida e do convívio humanitário.
Leitora voraz, Mara usa e abusa de sua bagagem para dialogar
com a tradição poética de primeira linha e o subjetivo não faz parte de seu
projeto. O “eu lírico”, por toda a obra, dá lugar à uma poesia objetiva. Não há
quase espaço para confissões. E o tempo é objeto circular, não retilíneo. Ou
seja, o passar das horas não é estreito em direção ao infinito. As coisas e as
pessoas organizam-se em todos os espaços, a linguagem vai e volta para reeditar
este movimento como uma ampulheta, que é preciso virar de novo para contar o tempo
que passou.
Um exemplo deste processo é o poema É isso, da segunda parte do livro intitulada Limites permeáveis:
“O resumo em si/Do jeito que se gosta/Em afirmação/Determinação/Ou dissolução
de assunto/Em pausas ou contrastes/No exato segundo/Pois no seguinte/Pode virar
aquilo/E não ser mais/Nada disso/.
O real e o imaginário são voláteis. Tudo pode transformar-se
em qualquer coisa. “O isso é líquido/Aguado e cambiante/Balanço de branco/Nas
beiras do ser/Trato de ocasião/Como imagem no espelho/Buscando opinião//O isso
é ética e estética/Linha de integração/Que sempre termina/Num ponto de
exclamação”.
No decorrer do poema, Mara mostra sua erudição e
permeabilidade definitiva com a literatura universal. E acaba o texto com uma
provocação ao leitor. “(...)E que em
Joyce/Viram epifanias/O longe e o perto/Em atemporal tirania//Nos modos
temporais/De Proust/Ou nos espantos de Clarice/Mil camadas entretecidas/Na
concretude e no vazio/Onde mora um anjo/Que num toque de asas avisa:/- É isso,
imbecil!”.
O terceiro capítulo de Fractais no café, reserva uma
temática mais cotidiana. Imagens de praias, cidades, flashes da vida, o cinema,
a fotografia, o jornal aparecem com muita leveza. Como se Mara quisesse dar um
respiro ao leitor. Um alento. E fica o poema final do livro como presente de savoir-vivre:
“O viver se constrói com palavras/Teias em bico de passaredo/Revoadas
espalhadas no ar/Segredos, dores, prazeres e bicadas/Há uma disposição para o
infinito/De todas as intenções que se dizem.”. Assim, Mara Reichert encerra o
livro Fractais no Café. Com uma revoada de palavras rumo ao infinito.
Susana Vernieri autora de Memorabilia, As grades do Céu, O Mapa da Republica, dentre outros, sobre o livro Fractais no Café, de Mara Reichert
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