sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Um dia na vida de Judite - Por Laura Dutra


Um dia na vida de Judite


Naquela época, meados de 1945, o casal Carmelita e Alfredo morava numa casa alugada com seus 10 filhos no interior de São Luiz Gonzaga. Em breve eles ainda teriam mais 2 filhos.

Alfredo, açougueiro de profissão e músico nas horas vagas, havia acabado de vender a casa própria onde antes moravam, no Faxinal, e alugou outra enquanto construía, com a ajuda dos filhos mais velhos, a casa onde a família passaria a morar nos próximos anos, no Rolador.

Naquela manhã de novembro, depois de um fortíssimo temporal, Alfredo seguia trabalhando com os filhos na construção da nova casa. Distante dali, abrigados na casa alugada, estavam Carmelita e os outros filhos, inclusive a mais nova, Judite, o bebê da casa, com a graça de seus 2 anos de idade, que todos adoravam e ajudavam a cuidar.

Grávida de novo, Carmelita andava muito sonolenta e repousava em seu quarto.

A menina Judite corria livre pela casa e costumava deitar na cama com a mãe. Judite deitava com tanta delicadeza e suavidade que às vezes Carmelita nem percebia a menina ao seu lado na cama.

Enquanto isso, as filhas mais velhas cuidavam das lidas da casa. Uma delas, Erna, preparava um delicioso mate doce, bebida muito apreciada pela família, em especial pelas crianças.

Feito o mate, Erna largou a cuia e chamou a mãe para tomar. Carmelita, deitada, não se animou em levantar. Erna insistiu, gritando, Vem, mãe, vem logo! Larga de ser preguiçosa, mãe, levanta dessa cama! O mate tá pronto!

Dito isso, Carmelita se aborreceu com a filha: Mas que coisa mais enjoada essa Erna!

Devido à insistência, no entanto, Carmelita resolveu se levantar, Então tá, guria chata, tô indo aí...

Carmelita, pesada pela gravidez, devagar, levantou da cama, saiu do quarto, deu dois passos no corredor, e foi então que se ouviu o estrondo!

Que foi isso, meu Deus?! Foi lá no quarto!

Todos correram para lá. A tempestade havia derrubado toda uma parede de alvenaria do quarto. Os escombros caíram exatamente em cima da cama onde Carmelita há poucos minutos coxilava.

Em seguida, deram falta da menina Judite, ela não estava em lugar nenhum!

Cadê a Judite?! Não é possível que ela estivesse na cama...

Naquele momento, o pânico se instaurou, foi gritaria pra todo o lado, um Deus nos acuda!

Meu Deus! Meu Deus! A Judite tá debaixo dos escombros! Não acredito, nãoooo...

O estardalhaço foi tanto que vieram pessoas de fora ver o que estava acontecendo. Um vizinho, senhor idoso, em meio ao desespero da família, gritou: Calma, minha gente, não sofram!, e, erguendo as mãos para o céu, disse: Se Deus quis assim, a gente tem que aceitar a vontade de Deus!!

A filha mais velha de Carmelita, Erna, entretanto, ainda procurava, entre lágrimas, gritos e orações, por Judite pela casa, e nada. Não acreditava, não podia ser, não podia ser. Foi quando avistou, num canto da cozinha, sentada num banquinho, escondidinha entre um armário e uma coluna, a pequena Judite, lutando para sorver um mate doce numa cuia já vazia. Erna a pegou nos braços e levantou: Tá aqui ela, ó! Tá aqui a Judite!!

Lágrimas de alívio e alegria escorreram pelos olhos daquela família.

Aquele foi um dia em que ninguém que estava lá jamais esqueceria.


Laura Dutra - autora do livro Alexandra,virou livro

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