Torcida gay que rompeu preconceito tem história contada em
livro
Organizada homossexual do Grêmio surgiu na década de 1970 e
deu sorte ao time gaúcho
13 de maio de 2014 | 7h 00
Elder Ogliari - O Estado de S. Paulo
PORTO ALEGRE – Em pleno regime militar, quando ainda havia
delegacias de costumes, na capital de um Estado tido como machista, eles
ousaram encarar o preconceito, ajudaram o Grêmio e até o Corinthians
a superar longos períodos de jejum de títulos e levaram a diversidade aos
estádios de futebol.
Eram poucos, estima-se que de 60 a 100, mas chamavam a
atenção pelos trajes, quase sempre túnicas nas cores azul, branco e preto, pela
irreverência e por incentivarem o time durante os 90 minutos, atitude rara
entre os demais frequentadores do estádio Olímpico nos anos 1970. E se tornaram
a mais visível torcida organizada homossexual de um clube, em história que o
jornalista Léo Gerchmann registrou no livro Coligay Tricolor e de Todas as
Cores.
O lançamento da obra, editada pela Libretos, está marcado
para às 19 horas desta terça-feira (13 de maio) na Livraria Saraiva do
Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, com sessão de autógrafos e presença
de alguns protagonistas, inclusive jogadores que chegaram a torcer o nariz para
a “novidade” e hoje reconhecem o apoio contínuo da Coligay como decisivo para
as vitórias do Grêmio.
O ano em que tudo mudou foi 1977. Cansado de oito anos de
fracassos no campeonato gaúcho e incomodado com os dois títulos brasileiros que
o rival Internacional havia conquistado em 1975 e 1976, o Grêmio mudou a
filosofia, contratou Telê Santana como técnico e jogadores de personalidade
vencedora e inegáveis recursos técnicos, como o zagueiro Oberdan, o meia Tadeu
Ricci, o centroavante André e o então promissor ponteiro-esquerdo Éder,
mantendo no elenco nomes identificados com o clube, como o zagueiro Ancheta, o
meia Iúra e o atacante Tarciso, todos sedentos por se livrarem da imagem de
perdedores.
A conquista do campeonato gaúcho daquele ano foi um alívio e
a nova mentalidade serviu de base para o que viria depois. O Grêmio voltaria a
ganhar o título regional em 1979 e 1980 e se tornou campeão brasileiro de 1981,
da Libertadores e mundial em 1983. Concidentemente, a Coligay acompanhou
exatamente aqueles sete anos de bons resultados e deixou de ser vista nos
estádios logo depois porque seu líder, Volmar Santos, se mudou de Porto Alegre
para Passo Fundo.
Volmar era dono da boate Coliseu, um ponto de encontro de
homossexuais de Porto Alegre, e juntou o nome da casa noturna com a palavra gay
para batizar a torcida. “Ele quis dar uma sacudida e formou um grupo que
apoiava o time o tempo todo”, lembra Gerchmann. Enquanto quase todo o estádio
silenciava e, depois de dois passes errados, passava a murmúrios de
desaprovação que enervavam o time, a Coligay não parava sua batucada e nem com
suas coreografias e gritos durante os 90 minutos. Outros torcedores se mostravam
incomodados com a presença daquela diminuta e alegre turma. Os jogadores não
falavam no assunto. "Mas hoje eles reconhecem que aquele incentivo fazia
toda a diferença", relata o jornalista.
A visibilidade e a duração da Coligay acabaram tornando a
torcida uma referência. À época falava-se de tentativas semelhantes como a
Flugay, do Fluminense, a Raposões Independentes, do Cruzeiro, e, pouco tempos
depois, a Flagay, do Flamengo, mas nenhuma se notabilizou e se manteve por
tanto tempo como a dos gremistas.
"Minha intenção foi escrever sobre a quebra de
paradigmas e como a Coligay levou a diversidade aos estádios", revela
Gerchmann, que contextualiza a trajetória da torcida aos costumes e aos
movimentos culturais e políticos da época. De 1977 para cá muita coisa mudou
entre as torcidas. As poucas mulheres que se arriscavam a ir ver jogos ouviam
ofensas. Hoje são público crescente e aceito.
Mas ainda há mazelas como gritos racistas, rejeição aos
homossexuais e violência entre torcidas organizadas que merecem o repúdio do
autor, que se diz um entusiasta da diversidade e da evolução dos costumes.
Apesar disso, no próprio livro o jornalista se obriga a reconhecer que “a luta
contra a homofobia parece estar longe de ser vencida neste Brasil do terceiro
milênio”. "Eles foram muito corajosos porque surgiram em uma época de
repressão”, afirma Gerchmann. “Era uma torcida que nunca se envolvia em
confusão e sempre apoiava o time".
CORINTHIANS
Quando o Grêmio deixou para trás oito anos de agruras, o Corinthians lutava para
não chegar a 23 anos sem conquistar qualquer título. O livro recorda que, pouco
depois da vitória tricolor no Rio Grande do Sul, o então presidente do
Corinthians, Vicente Matheus, convidou a Coligay para ir a São Paulo torcer
pelo time na final do campeonato paulista, contra a Ponte Preta.
O folclórico dirigente dizia acreditar que a torcida gay
gremista daria sorte a seu time. Pagou as passagens e 20 integrantes da Coligay
se instalaram nas arquibancadas do Morumbi, vestidos de gremistas, conforme estabelecia
o acordo. No final do jogo, Basílio marcou o gol da vitória. Matheus tinha
razão. A Coligay, que quebrava paradigmas, também era pé-quente nas
superstições do futebol.
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