Uma caixinha democrática
Desde junho de
2013 a
democracia no Brasil tem sido colocada em discussão. Milhares de pessoas em
todo país saíram às ruas com suas reivindicações. Há uma percepção geral de que
as pessoas não se sentem mais representadas por aqueles que estão nos cargos de
decisão. Elas desconfiam de quem as representa e querem dizer sua palavra.
A escola não
poderia estar alheia a tudo isto. Há muito tempo que esta crise, esta
desconfiança, se lança sobre as instituições de ensino. Se tornaram comuns as
notícias tratando de agressões, violências e intolerância dentro de escolas. É
comum se ouvir que os professores “perderam a autoridade”.
O livro “A
Caixa de Perguntas: Desafio vivo em sala de aula” (Ed. Libretos) não tem a
pretensão de analisar este contexto, mas surge num momento privilegiado e acaba
por pensá-lo na prática. Trata-se de uma experiência de sala de aula que mexe
diretamente com a questão democrática, com o direito à palavra e com a
importância do diálogo para a sociedade.
A sala de aula
é um microcosmo que espelha muito do que acontece no país. Nela desaguam as
tensões sociais todas. E por que não nascer nela a bela subversão das palavras?
Com a prática da “caixinha” todas as vozes têm espaço, mesmo aquelas proferidas
por quem não se sente à vontade para dizer-se em público. O anonimato das
perguntas traz muitos temas de ordem pessoal, que na leitura para o grande
grupo se descobrem de interesse de todos e todas.
Uma das
grandes conquistas do livro foi ele ter chego até os chamados “neoleitores”.
Todos os dias ouço relatos de pessoas que me dizem “é a primeira vez que leio
um livro até o fim”, ou “foi a primeira vez que li um livro”. Este, para mim, é
o maior sucesso do livro. Por outro lado, não deixa de causar uma certa
estranheza o espanto com a caixa de perguntas, tratada como criação do autor. O
diálogo é tão antigo quanto a humanidade, e a abertura para ele nas salas de
aula deveria ser lugar-comum e não algo inusitado e “original”.
A emoção dos/as
estudantes ao ler o livro também é algo tocante. Há uma grande identificação
com as temáticas trazidas, sobretudo porque é a própria voz deles e delas que
está posta. Esta provavelmente deva ser uma das poucas obras que traz a fala de
adolescentes da periferia de forma explícita. Embora existam muitos estudos sobre
temas relacionados a este grupo, não é comum que sua realidade e pontos de
vista apareçam de forma tão crua.
Famílias
inteiras leem o livro, o que não deixa de ser espantoso. Os filhos se
reconhecem nas perguntas, às vezes até nas suas próprias (no caso de meus
alunos/as). E pais e mães têm na leitura um acesso privilegiado à mentalidade
dos adolescentes, suas ansiedades, apelos e linguagens. O diálogo, que começa
na sala de aula, chega até em casa. Nada mais democrático.
Elenilton Neukamp
Sobre o autor:
Elenilton Neukamp atua em sala de aula há 17 anos. É professor
de adolescentes de escolas públicas de periferia.
Também lecionou em Educação de Jovens e Adultos
e participou de projetos com crianças. É professor de Filosofia e Mestre
em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Cronista, mantém um blog e colabora em sites e
revistas virtuais. Foi apresentador do programa de rádio Tanta Estrela por aí.
É autor de Nietzsche, o professor, Anko e Ruth: à sombra das nogueiras (Ed.
Nova Harmonia) e A caixa de perguntas:
desafio vivo em sala de aula (Ed. Libretos)
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